A partir de que idade perdes a liberdade?

Desenganem-se se acham que são todos uns homens de barba rija e umas mulheres de peito feito lá por fazerem 30 ou mais anos, porque no dia em que se virem com uma vida fora de portas esse será o dia em que rapidamente estarão de volta a casa dos pais

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Nico Beard/Unsplash

Comigo foi mais ou menos depois dos 30. Já morava lá fora, bem longe, onde ninguém me podia alcançar ou dizer o que fazer ou não fazer, lá fora, bem distante, numa outra galáxia onde, com algum dinheiro no bolso, podia fazer o que bem me apetecesse. Independente, finalmente, livre, finalmente, do lado de lá do espelho, finalmente. Pelo menos até receber uma chamada da minha mãe, e depois outra da minha avó, a perguntar se estava tudo bem, sim, se andava a comer bem, sim (não, mas cerveja bebia bem), se dormia oito horas todos os dias e se ia para a cama cedo, sim, e et cetera, et cetera, et cetera...

E eu a pensar cá para os meus botões que tais cuidados só mesmo até aos 14 anos, por isso porquê agora, porquê esta vossa preocupação quando agora é que estou bem, de onde vem essa saudade quando saudades não tenho, porquê o calor deste abraço quando chorar não quero, e porque me prendem vocês de novo aos vossos corações quando livre eu voava, desprendido de tudo, desprendido de mim e do mundo, alegremente sem medo de cair?

Portanto, desenganem-se se acham que são todos uns homens de barba rija e umas mulheres de peito feito lá por fazerem 30 ou mais anos, porque no dia em que se virem com uma vida fora de portas esse será o dia em que, como num passe de mágica, rapidamente estarão de volta a casa dos pais, os mesmos que nesta idade avançada já não podem viver sem nós, apesar de nos terem dito o contrário durante tantos anos.

No fim, vence-nos o amor. O amor que temos uns pelos outros. Mesmo se só nos vejamos duas ou três vezes por ano. Porque enquanto nos entretínhamos a fazermo-nos uns homens e umas mulheres, os nossos pais vieram tomar o lugar, e as feições, dos nossos avós, e digam-me lá quem quer ser livre quando o tempo insiste em chegar ao fim?

Daí em diante passei a comer bem, cerveja só à sexta-feira (que um homem não é de ferro), dormindo sempre o mais possível sem esquecer todos os et ceteras, desde o exercício físico à escova dos dentes. Pois se levou até aos 30 e uns milhares de quilómetros para ter uma vida assente, não tenho razão alguma para agora estragar tudo quando um homem se faz homem, e um homem tem responsabilidades, para consigo, para a mulher que entretanto ama e com quem casou e para com todos os que aguardam, ansiosamente, para que o fim chegue ao fim, nem que seja só para nos ver mais meia dúzia de vezes.

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