Tecnodemocracia: as democracias em sociedades pouco democráticas

Sectorialmente, percebemos que não existe democracia ou se existe é muito diluída, que mandam os especialistas ou detentores de um poder desigual. Então a nossa sociedade não é assim tão democrática como supostamente somos levados a pensar

Foto
Danielle MacInnes/Unsplash

Vou começar com lugares-comuns para depois tentar chegar a uma conclusão que não conclui nada mas deixa dúvidas, com polémicas políticas e sociais à mistura.

O Churchill dizia que a democracia não era grande coisa mas que a alternativa era pior. De facto, ainda não encontrámos nada melhor. A própria democracia, na prática, está longe de ser um produto acabado e se a estudarmos, de um ponto de vista histórico, constatamos que evoluiu bastante até aos dias de hoje.

A democracia tenta materializar ideias que hoje associamos à revolução francesa e que contribuem para definir a época histórica em que vivemos: a idade contemporânea. Isto de um ponto de vista simplista. Numa visão ocidental, que coloca a sua cultura no centro do mundo, com carácter sobranceiro de superioridade, sabemos todos que a liberdade, igualdade e fraternidade são aqueles ideais sempre por concretizar e pelos quais vale a pena lutar. Mesmo sem os atingir na plenitude, qualquer ganho para nós é sempre positivo.

Colocando os idealismos um pouco de parte, vamos ao problema prático. Vivemos, aqui nos países ditos ocidentais, em democracias. Mas as nossas organizações sociais são realmente democráticas? Será o sistema político uma aparente excepção?

Se queremos uma opinião de saúde consultamos um médico ou uma junta médica. A arte é supostamente definida pelos próprios artistas e pessoas a ela ligadas. São os juízes que dão veredictos. São os professores universitários e académicos que validam a obtenção de graus académicos e artigos científicos. Nas empresas, quem manda são os patrões ou os conselhos de administração. Nas famílias mandam os pais. Sectorialmente, percebemos que não existe democracia ou se existe é muito diluída, que mandam os especialistas ou detentores de um poder desigual. Então a nossa sociedade não é assim tão democrática como supostamente somos levados a pensar.

Para decidir é preciso ter condições para tal — parece óbvio. Temos o exemplo do sistema político democrático. Se os votantes estivessem totalmente informados e conscientes no que votam e em quem delegam o poder, ou até quando não votam, não funcionaria tudo um pouco melhor? E daí quais as competências para poder escolher politicamente? A decisão democrática universal é comparável a todas as restantes actividades que exigem especialistas?

Esta problemática pode parecer uma heresia democrática e um apelo à desigualdade. Pode parecer uma apologia da tecnocracia. Muito pelo contrário, não é nada disso. É exactamente o oposto. Sem solucionarmos estes paradoxos e problemas corremos o risco da democracia se tornar um dia obsoleta perante os desafios e necessidades das sociedades humanas.

Faz sentido alguma forma de tecnodemocracia?

Sugerir correcção
Comentar