Protesta e sobrevive

A verdade é que já desistimos e quantos mais protestos fizermos no Facebook, mais o gordo do poleiro engorda, as métricas da empresa de Zuckerberg melhoram e mais ele enriquece

Foto
looking4poetry/Flickr

Introdução — que diferença faz realmente que mais uma aldeia típica se transforme num condomínio de luxo ou que se pare de produzir mais um produto artesanal tipicamente português?

Foi a isto que reduzimos a nossa capacidade de questionar e de afrontar o poder vigente: a lutar pelo último bastião do que resta da nossa juventude na forma de consumíveis. Passámos de querer mudar o mundo para vivê-lo vicariamente através da Internet.

E enquanto inventamos abaixo-assinados nas redes sociais, expressando discórdia confortavelmente sentados frente a um computador japonês, com um refrigerante americano numa mão e um chocolate belga na outra, descansamos a consciência. Impedimos assim qualquer indignação que possa ainda subsistir, de crescer até ao ponto de se materializar em revolta, porque fizermos virtualmente a diferença sem sair da zona de conforto. Entretanto, a pouca verdadeira energia contestatária que ainda resiste na genética nacional vai sendo canalizada para os desgostos futebolísticos, que parecem prevalecer acima de quaisquer circunstâncias.

Quando as nossas lutas se resumem a meras reformas instituídas por um qualquer decreto-lei obeso ou na conservação de uma aleatória réstia de memória é porque desistimos. Desistimos de tudo o que não seja a gratificação imediata e preguiçosa.

Aceitamos sem questionar o conteúdo e apenas desejamos ajeitar a forma, por isso tanto faz que o cinema King feche quando somos clientes TV Cabo alimentando o monopólio fragmentado audiovisual. Ou que a livraria Ulmeiro feche quando a prenda de última hora é comprada numa loja de centro comercial. Ou que a tasca da esquina não sobreviva à globalização quando toleramos o aumento dos já de si desmesurados tentáculos das cadeias de "fast-food". Ou quando o empreendedorismo prevalece sobre o carinho e preocupação na recuperação da nossa memória colectiva para a estilhaçar e vender aos turistas qual muro de Berlim.

A verdade é que já desistimos e quantos mais protestos fizermos no Facebook, mais o gordo do poleiro engorda, as métricas da empresa de Zuckerberg melhoram e mais ele enriquece. E o que é que muda efectivamente com isso? Lembram-se como se protestava antes da Internet? Podia não ser tão eficaz, mas era bem divertido e fazia-nos sentir vivos.

Sugerir correcção
Comentar