Abaixo a cultura

Por estes dias, a coisa funciona mais ou menos como um "buffet" em que a abundância se torna um problema. Assim é com a excessiva oferta cultural que há por estes dias. Há tantos filmes, tanta música e tantos livros que já nada interessa realmente, não há nada que bata

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Radek Grzybowski/Unsplash

O século XXI é deprimente. As surpresas há muito se esgotaram e são poucas as coisas que fazem mais do que oferecer um entretenimento efémero durante breves minutos, deixando o mundo exactamente na mesma, quando não pior. Esta, claro, é conversa de velho, mas não de um só, já que foi toda a raça humana que envelheceu.

Por estes dias, a coisa funciona mais ou menos como um "buffet" em que a abundância se torna um problema, porque se prova um pouco de tudo e em quantidades exageradas, banalizando assim o que deveria ser experiência especial, sendo o resultado final o enjoo e finalmente o enfartamento, o que normalmente conduz ao vício, que por sua vez leva a mais aborrecimento. Assim é com a excessiva oferta cultural que há por estes dias. Há tantos filmes, tanta música e tantos livros que já nada interessa realmente, não há nada que bata. Não só porque o que está ao alcance de qualquer um executar facilmente não cativa, como também porque nenhuma comodidade que exista em abundância se torna cobiçada. É esta a lógica mercantilista que nos foi incutida pela evolução, diriam uns, pelo tédio histórico, diriam outros.

Assim, perde-se uma grande massa de espectadores que se tornaram por sua vez produtores de entretenimento, abandonado assim o propósito de receber, portanto actualmente é cada vez mais difícil existirem projectos de impacto à escala mundial, como o foram outrora um "Fight Club", uns Guns'N'Roses ou um Jack Kerouac.

Ou quando isso acontece, não só o seu tempo de vida é curto, como não raras vezes a forma é privilegiada sobre o conteúdo, isto quando ele existe de todo.

Basicamente, andamos a consumir cultura cujo substracto está ao nível de um concorrente de um dos famosos "reality shows" da TVI. Isto também significa que as nossas paixões assolapadas, outrora génese das tão discutidas tribos urbanas, se extinguiram, uma vez que recriar a estética de há 20 ou 30 anos sem ter nada de realmente interessante para dizer dificilmente irá incendiar o coração de uma só pessoa, quanto mais inspirar gerações.

Eis então que se espalha a monotonia, porque nos sujeitamos a uma experiência meramente sensorial, desprovida de valor e inspiração, sem o poder de nos levar a questionar, e na maior parte dos casos de nem sequer nos fazer erguer os olhos do ecrã mais próximo. Porque o que falta não são mais bandas, mais filmes nem mais livros. Nem mesmo ainda maior facilidade ao seu acesso.

O que falta são pessoas com alguma coisa para dizer, para quem o meio não seja a mensagem e que nos façam pegar em canetas, câmeras ou guitarras como quem ergue uma espada. Porque de boas produções está o inferno da cultura cheio.

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