A felicidade é um labirinto

A verdadeira, eterna e suprema felicidade surge quando tivermos os abdominais do Cristiano Ronaldo ou os seios copa D da Kate Upton. Quando tivermos a vida de uma Kardashian ou a influência de um Steve Jobs. Quando acontecer qualquer outra coisa que não isto que está a acontecer aqui e agora

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Damir Sagolj/Reuters

Aparentemente tudo se resume à felicidade. Terrena ou eterna, material ou espiritual, Coca-Cola ou igreja católica, pouco importa, porque a felicidade parece ser sempre um destino para o qual viajamos e nunca um caminho a ser apreciado, com enganos, barricadas e as inevitáveis derivas. Afinal, tratamos a felicidade como outro bem material para conquistar e ostentar lado a lado com a colecção de discos, o gadget mais recente ou as conquistas amorosas de que não nos cansamos de gabar.

Porque senão é mesurável, decomposto, analisado e teorizado não passa de uma superstição sem valor em plena era tecnológica. Assim, e para que possamos sentir-nos culpados quando estamos infelizes, existe uma hormona para medir quais de entre nós são o espelho da felicidade, chegando ao ponto de um país como o Butão utilizar a Felicidade Interna Bruta ao invés do Produto Interno Bruto para medir o seu desenvolvimento. Por isso assumimos que, do mesmo modo que uma medalha ou uma batalha, a felicidade quando conquistada, jamais poderá ser perdida. É por isso que todos os filmes de Hollywood acabam com um grande “...e viveram felizes para sempre”, sem mostrar o que acontece depois. Tal como a vida, tão cheia de sensualidade consumista que o seu oposto, a morte, deixou de estar presente, também a felicidade deixou de conter a infelicidade.

É por essa razão que a felicidade é tratada como um objectivo, com um trajecto necessário para o atingir, composto de diferentes actos materialistas. Seja escravizar-nos às mãos de uma corporação durante um terço da vida para comprar tudo o que não precisamos ou aspirar a ganhar o euro-milhões. A verdadeira, eterna e suprema felicidade surge quando tivermos os abdominais do Cristiano Ronaldo ou os seios copa D da Kate Upton. Quando tivermos a vida de uma Kardashian ou a influência de um Steve Jobs. Quando acontecer qualquer outra coisa que não isto que está a acontecer aqui e agora.

Portanto, fugimos da infelicidade mais depressa do que o Diabo foge da Cruz. Porque nos torna indesejáveis e repulsivos. Porque tal como o dinheiro atrai dinheiro e a fama atrai fama, a infelicidade atrai infelicidade e por muito que a miséria goste de companhia, todos queremos ser o centro da festa. O problema é que a infelicidade não só é útil como necessária, não apenas para algo tão simples como a profunda apreciação do seu oposto, mas também porque, da mesma forma que a montanha tem um cume que requer que atravessemos sulcos, fossas, vales e depressões para o atingir, também a felicidade exige o mesmo compromisso. Que viajemos pelo âmago da existência, com entrega e livres.

Ou não fossemos nós um somatório de todas as experiências, decisões e momentos de uma vida em que, citando Heráclito, “Tudo Flui”. Como o universo se contrai e expande, também a felicidade é um mero estado passageiro podendo significar coisas diferentes em momentos diferentes para pessoas diferentes. Não é algo desejável, mas sim um instante para desfrutar, tal como todos os outros, sejam dores de dentes, a chegada da Primavera, a mais dura das rejeições ou a primeira vez que alguém diz “Amo-te”.

Facilmente o azedume de hoje poderá tornar-se na sobremesa preferida de amanhã. As metas são para as corridas e os objectivos para as empresas. A felicidade, essa, é apenas um caminho, e o caminho faz-se caminhando.

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