Sobre o Vitinho e a saída do Reino Unido da União Europeia

Porque trabalhador precário é isso mesmo, precário, o Vitinho, ou Vitó, como agora prefere ser chamado, fartou-se e juntou-se à diáspora emigrante, à procura de pão para a boca

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Quando nos candidatámos à aquisição da nacionalidade britânica cruzámo-nos com um casal, ele muito loiro, muito alto, largo e forte, ela mais baixa e também loira, ambos de olhos azuis, os quais, já devem ter adivinhado, originais do Zimbabwe, se entretinham igualmente com o sem número de formalidades necessárias a este tipo de processos. Ora, quando o dito casal zimbabueano percebeu sermos os dois, eu e a minha mulher, cidadãos da União Europeia, não puderam deixar de perguntar por que razão dois portugueses se candidatavam à cidadania britânica?

A resposta veio um par de anos mais tarde quando, a 20 de Fevereiro de 2016, David Cameron anuncia a realização de um referendo sobre a permanência na União Europeia para 23 de Junho do presente ano. A título de exemplo, para quem neste momento não pertença à União Europeia, só lhe será permitida a permanência em solo inglês se tiver um salário mínimo de 35 mil libras anuais, mais ou menos 45 mil euros, ou nove mil contos na moeda antiga. Coisa pouca, portanto, num país onde a média salarial ronda as 26 mil libras por ano, e onde trazer um canudo debaixo do braço já não é garantia de vida, já não é garantia de nada.

Agora, basta imaginar um cenário onde o Reino Unido já não faz parte da União Europeia e somar um mais um num país onde os jornais, dia após dia, anunciam em grandes parangonas o "perigo imigrante", "a invasão dos refugiados", prontamente apelidados de "terroristas e bombistas". Ou o "sem número de empregos perdidos para os estrangeiros", os quais apenas vêm para "beneficiar de um sistema de saúde gratuito", para já não falar dos famosos "benefits", ou "bens", para os amigos, mais a habitação social, para perceber como os nossos próprios direitos, empregos, garantias, a nossa vida, construída "cá fora", fruto de uma emigração forçada, cedo serão postos em causa, caso não sejamos, no mínimo, detentores da cidadania inglesa, porque o sotaque ninguém nos tira, e o cabelo negro por cima dos olhos negros também não, num clima onde o racismo é constante, sempre a olhar de lado para quem entra pelo "pub" adentro e não é claramente nascido, criado e crescido em terras de sua majestade.

Festa de anos

O Vitinho fez 30 anos e este fim-de-semana fui à festa de anos dele ao pé de Stockwell, na zona "tuga" de Londres. Sim, o Vitinho, o mesmo que há 30 anos mandava metade do país para a cama às nove da noite ao som da música de José Calvário e interpretada por Isabel Campelo. Se, à data, o Vitinho era uma "superstar" e a inveja de toda uma geração de crianças, há quatro anos atrás o Canal Q desencantou-o com mais 80 quilos e como trabalhador precário.

E porque trabalhador precário é isso mesmo, precário, o Vitinho, ou Vitó, como agora prefere ser chamado, fartou-se e juntou-se à diáspora emigrante, à procura de pão para a boca. Não fala em inglês, diz que não quer, porque assim a polícia deixa-o em paz se estiver metido nalguma "asneira" e é sempre o cargo dos trabalhos para se conseguir um intérprete.

Quando lhe perguntei sobre a saída de Inglaterra da Europa, saiu-se com um "acho muito bem", porque "isto aqui está cheio de estrangeirada e já é altura de alguém fazer alguma coisa". De pouco me serviu tentar explicar-lhe que também ele é estrangeiro e se não se puser a pau um dia destes mandam-no embora. Resposta: "Isso só acontece aos outros".

Entretanto, desamigou-me do Facebook e mandou-me uma mensagem a dizer que se eu continuar a pensar desta maneira, acabo sozinho. Receio, no entanto, que a pensar desta maneira acabemos todos sozinhos num mundo (ainda) mais desunido e desigual, e como tal mais propenso à guerra e à agressão fácil e gratuita. Porque, já dizia o outro, "um por todos, e cada um por si, salvem as penas!", ao invés do "todos por um" num mundo cada vez mais carente, cheio de muros e murros onde antes seria suposto encontrar um sem número de abraços.

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