Phil Toledano fotografou o futuro que todos tememos

Na série fotográfica "Maybe", o artista briânico encarna personagens para confrontar os seus medos. Trabalho está em destaque nos Encontros da Imagem de Braga

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Phil Toledano em Maybe

A maior parte da vida do artista inglês Phil Toledano “foi passada sob um manto de amor e privilégio”. Teve "tudo quanto uma pessoa pode pedir": pais extraordinários que o ensinaram a amar e o encorajaram a ser curioso, boas escolas. "Tudo". Diz-se “sortudo de uma forma que as pessoas nem podem imaginar” — isto apesar da perda da irmã num incêndio, quando era ainda criança (ver “When I was Six”), da morte inesperada da sua mãe em 2006 e da perda do pai em 2009 (que originou o fotolivro “Days With My Father”). 

“Quando a minha mãe morreu subitamente, fiquei muito chocado e a minha vida mudou radicalmente. Comecei a ficar obcecado e ansioso e a perguntar-me constantemente o que me iria acontecer no futuro”, explica Phil ao P3. Na série fotográfica “Maybe”, o artista encarna personagens para confrontar os seus medos e antecipar os seus piores temores, de forma a proteger-se do inesperado.

  

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Roqueiro num bar Phil Toledano

Foi um longo e nada prazeroso processo: as horas de maquilhagem, o tempo gasto, a obrigação de enfrentar a câmara e de ser observado. "De cada vez que fazia uma fotografia parecia uma performance ao vivo… Odiei, sob todos os aspectos”, confessou. Phil consultou quiromantes, cartomantes, videntes, numerologistas e hipnotistas, realizou testes de ADN e consultou dados estatísticos de seguradoras para determinar os seus possíveis destinos. E as direcções que todos lhe apontavam, em conjunto com todos os seus receios íntimos e pessoais, deram forma aos retratos de “Maybe”, que estão em destaque nos Encontros da Imagem de Braga. 

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Aniversário na empresa Phil Toledano

Em cada um deles, Toledano sofreu uma profunda caracterização, os cenários foram adaptados, figurantes e equipa técnica entraram em cena. O resultado é um conjunto de imagens que retrata pessoas que, de um modo ou de outro, “todos nós já vimos antes” e nas quais Phil não se quer transformar. 

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Phil Toledano Ana Marques Maia

“Não ‘brinquei’ com estereótipos intencionalmente, mas penso que existe poder no estereótipo. Quando vemos a pessoa da imagem, o tipo da festa de aniversário no escritório, por exemplo, sabemos qual é a emoção que se relaciona com o momento que assistimos, conhecemos a sensação. Ao estabelecer essa ligação, começamos a entender como é ser aquela pessoa e isso é poderoso. Se fosse uma imagem totalmente desconhecida, seria difícil criar empatia.” 

Apesar do mote de “Maybe”, nem sempre a experiência de encarnar um personagem foi estritamente negativa. Ser o tipo roqueiro, por exemplo, fê-lo sentir "confiante e 'cool'". Isto apesar de Toledano ter clara a ideia de não querer transformar-se na personagem: “Não quero ser essa pessoa porque isso significa tornar-me alguém muito diferente do que sou hoje. Também porque não teria uma boa imagem. Todas as pessoas querem ter o melhor aspecto possível pelo máximo de tempo possível. Ninguém quer ter um aspecto horrível. Existe vaidade naquela imagem. Aquela fotografia, de certa forma, é sobre o meu medo de perder algum tipo de beleza que eu possa ter. Tive de abdicar da vaidade para ser aquela pessoa e isso foi extraordinário.”

Da publicidade para a fotografia

O artista britânico lamenta a tendência da arte em “criar muros em redor de si própria” e também por isso a sua obra se concentra em temas "óbvios" e até "clichés", sublinha: “No fundo, falo de morte, família, amor, medo do futuro, de ter filhos, de coisas completamente normais e não coisas estranhas e obscuras. Não faço arte a pensar que irá agradar outras pessoas. Considerar um público irá afectar a forma como fazes arte. Faço arte para mim próprio, na esperança de que ela fale com os outros, que seja compreensível e tangível.”

Licenciado em literatura inglesa, Phil trabalhou como publicitário durante vários anos antes de se dedicar à arte conceptual a tempo inteiro. A publicidade foi a sua escola de arte, o lugar onde aprendeu a "ser impiedoso com as ideias" e a tirar-lhes "gordura". "Aprendi a tornar o mecanismo de uma ideia em algo limpo e funcional. Aprendi a ter ideias e a avaliar se são boas ou não e a descartá-las no caso de não serem. Acontece muito, quando se dá aulas, conhecer pessoas que trabalham há anos sobre uma ideia que já deveria ter sido ‘reparada’ há muito tempo. É como uma bicicleta com uma roda empenada. Eles não se apercebem ou não admitem que a roda está empenada porque estão a trabalhar sobre a mesma ideia há muito tempo. Em publicidade, os professores dizem ‘isso precisa de ser reparado imediatamente’. Isso foi um treino extraordinário, assim como ser obrigado a ter ideias todos os dias. Tudo começa com uma ideia, sempre. E a ideia é tudo. Quando começo um novo projecto faço sempre alguma pesquisa antes de começar. Não há nada pior do que passar dois ou três anos a trabalhar num projecto e no final alguém te dizer ‘ah sim, isto lembra-me o trabalho de X ou Y’. Só te apetece morrer”, sorri. 

  

Foi realizado por Joshua Seftel um filme documental intitulado "The Many Sad Fates of Mr. Toledano" ("Os Muitos Tristes Destinos do Sr. Toledano") que acompanhou todo o processo de realização de "Maybe" e que levou mais de três anos a concluir (ver trailer à esquerda). No futuro, Mr. Toledano quer envolver-se mais na área do vídeo. Para já, está a dirigir um filme que promete ser uma crítica ao tal "muro" que o artista cria em redor da arte e que a torna impermeável ao exterior.

  

"Maybe" é uma exposição integrada no Festival Internacional de Fotografia Encontros da Imagem e encontra-se em exposição no Salão Nobre do Theatro Circo, em Braga, até 10 de Outubro. 

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