A longa vida das curtas

Não havendo uma difusão das obras por um público generalista, elas parecem ficar condenadas ao confinamento do universo da cinefilia pura e dura, que, devido ao seu elitismo latente, afasta mais espectadores do que aqueles que granjeia

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José Cruzio

No final de uma palestra em que me debrucei sobre o mercado e a circulação do cinema português, fui abordado por um estudante no pátio da universidade. Dirigiu-se a mim timidamente e perguntou-me o que eu achava sobre o mercado e o futuro das curtas-metragens, assunto que eu não tinha tratado anteriormente.

Fitei-o nos olhos por um instante, enquanto tentava organizar o discurso e pensava em qual das respostas lhe haveria dar: a realista e curta ou a idealista e longa. Na minha cabeça qualquer uma delas era bastante óbvia. Ou dizia ao jovem realizador que acho que as curtas-metragens se posicionam num mundo paralelo ao do mercado cinematográfico, não existindo por isso sequer um âmbito comercial para elas, ou lhe explicava que as curtas são por norma exercícios académicos e experimentais que servem como rampa de lançamento. O que esta problemática encapsula é que o facto de certas práticas não serem significantes do ponto de vista económico para se enquadrarem numa configuração mercantil não as impede de terem um circuito próprio.

Não havendo uma difusão das obras por um público generalista, elas parecem ficar condenadas ao confinamento do universo da cinefilia pura e dura, que, devido ao seu elitismo latente, possivelmente afasta mais espectadores do que aqueles que granjeia. Daí que os casos mais interessantes sejam aqueles que, de geração natural, rompem com este esquema.

No passado sábado o Teatro Viriato, em Viseu, encheu-se para acolher o segundo aniversário do movimento Shortcutz Viseu. Há mais de cinquenta sessões que este certame em torno de curtas-metragens nacionais (com a ocasional projecção de obras estrangeiras) tem vindo a fidelizar um público naquela cidade e arredores, somando hoje cerca de quatro mil espectadores.

Este é um caso de sucesso: as sessões estão quase sempre lotadas para além da capacidade. Talvez esta situação não fosse surpreendente se estivéssemos a falar de Lisboa ou do Porto, mas para o contexto de uma cidade até há bem pouco tempo relativamente inerte do ponto de vista cultural, é notável. Especialmente porque existe aqui um factor de crescimento e desenvolvimento. A iniciativa residiu primeiramente numa pequena sala de um fábrica de sabão artesanal, com uma tela de 1x1 e colunas de computador, passou pelo museu Grão Vasco durante quase um ano e encontra-se agora com todas as condições na sede da associação Carmo 81 — espaço, de resto, inovador no panorama viseense.

Este esforço de descentralização é levado a cabo por outras associações e iniciativas, mais ou menos constantes, espalhadas pelo país fora. Despretensiosamente, celebram o cinema de forma casual e contribuem não só para que o cinema português de curta-metragem encontre uma casa e tenha exposição regular, como ajudam a desmontar o duradouro preconceito em torno do cinema nacional. Para mais, vão preenchendo uma lacuna que a Cinemateca, por desconsideração ou incapacidade, nunca preencheu. Por isto tudo, merecem todo o nosso apoio, carinho e respeito.

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