O discurso da inclusão

Repare-se: todos os refugiados são vigaristas e bombistas; todos os refugiados são porcos e miseráveis; todos os refugiados sabem usar armas, todos...

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Hannibal Hanschke/Reuters

Sim, claro, as próximas linhas são sobre os refugiados. São poucas e, se tudo correr bem, não são coisa para ofender ninguém. São uma proposta de discurso inclusivo. Este é um tempo próprio para dar relevo a um discurso abrangente, massificado, o chamado discurso de autocarro, de fila de trânsito, ou mesmo de pátio de faculdade, que aborda o problema da crise dos refugiados com uma característica inclusiva que não pode ser descuidada. É o discurso do “todos”. E antes mesmo de julgarmos o que se diz nesse discurso, penso que poderíamos fazer o exercício de o alargar, de alastrar essa inclusão, de forma a que nos sintamos verdadeiramente incluídos. Todos incluídos.

Repare-se: todos os refugiados são vigaristas e bombistas; todos os refugiados são porcos e miseráveis; todos os refugiados sabem usar armas como quem usa a pasta dos dentes (ou melhor até!); todos os sírios são muçulmanos e pertencem ao estado islâmico (inclusive os cristãos); todo os padres são pedófilos; e tarados sexuais; todos os jovens com menos de 25 anos são absolutamente incultos e mal-educados; todos os brancos são ricos; todos os bebés são lindos; todos os engravatados são decentes; todos os sem-abrigo em Portugal são abandonados, esquecidos e passam fome; todos os políticos são corruptos; todos os professores são preguiçosos e dão erros de português; todos os jornalistas são tendenciosos e/ou ignorantes; todos os colunistas da imprensa são pagos a peso de oiro; todos os do rendimento mínimo são preguiçosos (e ganham mais do eu!); todos os que estão com baixa não querem é trabalhar; todos os artistas são arrogantes; todos os comunistas comem crianças ao pequeno-almoço (Bloco de Esquerda e Livre Tempo de Avançar é ao "brunch"); todos os militantes e simpatizantes do PSD são fascizóides colonialistas; todos os militantes e simpatizantes do PS gostam de chamuças; todos os patrões são exploradores e os empregados explorados (válido também ao contrário); todos os brasileiros sabem dançar samba; todos os portugueses cantam o fado (e nenhum dos dois é racista!); todos os africanos dançam e tocam batuque; todas as notícias do Facebook são falsas; todas as notícias do Facebook são verdadeiras; todos os estrangeiros são inteligentes; todos os alemães são nazis; todos os italianos (homens e mulheres) são bons como o milho; todos os russos são corruptos e pertencem à máfia; todos os funcionários públicos são incompetentes; todos os taxistas são vigaristas; todos os advogados fogem ao fisco (e todos os médicos!); todas as companhias de seguros são para nos roubar; todas as peixeiras vendem peixe podre; todos os imigrantes são de desconfiar; todos os emigrantes são de louvar (coitados!...); todos somos humanos.

P.S. Há algumas pessoas que insistem em contrariar o que é óbvio para todos. Como é o caso do economista Amartya Sen que, no prefácio do seu livro “Identidade e Violência – A ilusão do destino” (editado em Portugal em 2007) afirma: "É bem provável que as perspectivas de paz no mundo contemporâneo dependam do reconhecimento da pluralidade das nossas afiliações e do uso da reflexão, assumindo-nos enquanto vulgares habitantes de um vasto mundo e não como reclusos encarcerados em pequenos compartimentos." A ser assim destruía-se a história única que tanto nos conforta e isso seria desgastante, obrigaria a que as respostas não fossem imediatas, e que, mais grave que tudo isso, tivéssemos que fazer uma introspeção social para percebermos que somos falíveis, misturados e singularmente responsáveis por uma parcela do que é comum. E na verdade estamos todos ocupados, não temos tempo nem vontade para esse exercício.

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