Erasmus facilita acesso ao emprego, mas não chega

Curiosidade, tolerância e confiança são algumas das competências transversais relevantes para os empregadores — e são desenvolvidas no Erasmus. Mas esta experiência não é determinante para entrar no mercado de trabalho

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Ana Isabel e André têm alguns pontos em comum. Ambos são jovens, participaram no programa Erasmus e têm emprego. São os rostos de algumas conclusões de um estudo sobre o impacto do programa Erasmus.

Ana Isabel Lopes, 23 anos, está a terminar o mestrado em Ciências da Comunicação, na especialização de Publicidade e Relações Públicas, na Universidade do Minho (UM). No 2.º ano da licenciatura, a jovem barcelense decidiu embarcar na experiência Erasmus. Espanha foi o destino escolhido — este é precisamente o país escolhido pela maioria dos estudantes Erasmus, seguindo-se Alemanha, França, Reino Unido e Itália.

Já o caso de André Martins, 26 anos, foi diferente. Terminou o mestrado integrado em Engenharia e Gestão Industrial na UM em 2012 e estudou, por duas vezes, no estrangeiro. Primeiro foi num programa de intercâmbio no Brasil, em 2009, e depois no programa Erasmus, na Eslovénia, em 2011.

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Ana Isabel Lopes DR

As áreas de formação dos dois jovens fazem parte do top cinco das áreas de estudo, de onde saem mais alunos: Estudos Comerciais e Ciências da Gestão, Engenharia e Tecnologia, Ciências Sociais, Línguas e Ciências Filosóficas e Humanidades.

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André Martins DR

Estudar fora porquê?

E porquê estudar fora? “Não estava descontente com a formação que estava a receber, mas gostava de ter a experiência, de conhecer outra língua”, contou Ana Isabel ao P3. “Consegui fazer o nível C1 [de espanhol], em quatro meses, porque interessava-me muito e era um dos principais motivos pelos quais queria ir”, admite. Já o facto de facilitar o acesso ao mercado de trabalho não era uma das principais motivações: “Não pensei muito nisso, sinceramente. Sabia que era importante, mas não era o que tinha em mente. Era mesmo o desejo de ter uma experiência diferente”.

André contou ao P3 que foi estudar para fora em dois países diferentes “pela experiência, pelo gosto de conhecer realidades novas” e pelo desafio de se “adaptar a culturas diferentes, a modos de ensino e a línguas, no caso da Eslovénia”. O jovem bracarense revela que a questão da empregabilidade também era já uma das motivações.

O estudo comprova que a questão de facilitar a empregabilidade não é das principais motivações apontadas pelos alunos para estudar no estrangeiro. “Melhorar e ampliar as minhas perspectivas de carreira no futuro” aparece como a quinta motivação mais apontada, seguindo–se a “melhoria da empregabilidade futura no exterior”, enquanto a “melhoraria da empregabilidade futura no próprio país” é a décima segunda. “Mais de 90% dos estudantes de mobilidade vão para fora para viver no exterior, para melhorar as suas competências linguísticas, para constituir novos relacionamentos e desenvolver habilidades como a adaptabilidade”, refere o estudo.

Estes resultados são confirmados pela investigadora da UM e socióloga do trabalho, Ana Paula Marques, para quem a questão da empregabilidade não é tida como uma das principais motivações dos estudantes. “Pensam sempre numa experiência mais intercultural, de conhecer o país e naquele lado mais lúdico e muitos deles terminam e não fazem a relação imediata. Porque muitas das competências só podem ser realmente observadas no contexto de trabalho e quando são confrontados”, explicou ao P3.

Quais as competências mais relevantes?

O estudo conclui que 92 % dos empregadores, quando contratam, procuram determinadas características de personalidade que são desenvolvidas pelo programa, como a curiosidade, o conhecimento dos seus próprios pontos fortes e fracos, a confiança, a tolerância, a capacidade de decisão e a capacidade para resolver problemas.

Ana Isabel, para além de ter tido “oportunidade de ter uma formação diferente”, aprendeu a “rentabilizar o tempo” e considera que ficou “mais curiosa e metódica”. “A resiliência, a capacidade de adaptação, a autonomia” são as competências salientadas por André.

As competências transversais apontadas pelo estudo estão relacionadas com uma das principais conclusões: a possibilidade de os alunos Erasmus sofrerem uma situação de desemprego de longa duração é 50 % menor em relação aos que não estudaram ou tiveram formação no estrangeiro e, cinco anos depois de concluírem a formação, a taxa de desemprego é inferior em 23 %. “Isso significa que a experiência Erasmus é importante, não só em termos académicos, mas sobretudo profissionais e na entrada do mercado de trabalho. Por um lado, as competências transversais não têm só a ver com traços de personalidade, mas também com a aquisição de outra língua, o contacto com outros contextos de trabalho, nos quais são obrigados a terem comportamentos de iniciativa, de trabalho em equipa”, esclarece a investigadora.

Erasmus é “importante”, mas não basta

Tanto Ana Isabel como André consideram que as competências adquiridas durante a experiência Erasmus são uma “mais-valia” no exercício das suas profissões, mas não consideram que o Erasmus tenha sido determinante para conseguirem o emprego actual. Ana Isabel trabalha na gestão de clientes da “b+”, uma agência de comunicação portuguesa, e aplica muito do que aprendeu em Publicidade, em Salamanca, no trabalho. “Acho que a experiência Erasmus foi bastante enriquecedora nessa área, daí ir recuperando recorrentemente alguns apontamentos que tinha e alguns conceitos”, refere.

“Não acho que foi isso que me fez ter ficado cá, mas contribuiu. Com a pressão a que estamos sujeitos todos os dias, o ‘jogo de cintura’ é uma adaptação que temos de ter e a experiência anterior claramente que ajudou. E lá fora estás constantemente a lidar com imprevistos”, explica André, que actualmente é analista de negócios na Sonae.

O estudo aponta que, no momento de recrutar, os empregadores dão relevância (por esta ordem) à personalidade e competências transversais, ao campo de estudo, à especialização, ao domínio de língua estrangeira, à experiência profissional, às notas, à experiência no exterior (estudo/estágio/trabalho) e à reputação da instituição de ensino.

Para a socióloga, este estudo confirma os resultados obtidos no âmbito de um outro estudo (inserido no consórcio "Maior Empregabilidade"), no qual Ana Paula Marques participa: “Os empregadores sinalizaram a importância de, no momento de recrutamento, perguntarem se os alunos tiveram experiências Erasmus, porque reconhecem a mais-valia dessa experiência no perfil do candidato a futuro trabalhador”.

Mas não basta dizer “Fiz Erasmus”. É necessário que os estudantes especifiquem o que fizeram durante esse período. “É muito importante estar no currículo a indicação clara do que fizeram de facto no Erasmus e tem de estar orientado para o emprego a que se candidatam. Os empregadores querem currículos orientados para os empregos. Se esteve em Erasmus ou numa associação, não basta só dizer que fez, é importante dizer quais os conteúdos das actividades realizadas”, explica a socióloga.

Para Ana Paula Marques, a experiência Erasmus “é um factor que é sinalizado, entre outros, como por exemplo participar em associações” e não é determina que alguém tenha ou não emprego. “Entre um que estudou cá sempre e outro que estudou fora, pode ficar, numa situação de entrevista, o que estudou cá, [dependendo] da formação de base e se adquiriu as competências transversais e tiver o perfil. Não significa que quem estudou fora tenha uma melhor performance numa entrevista para um emprego. É mais um factor. Porque se tiver sido um dirigente associativo teve certamente competências transversais relevantes para o cargo”, clarifica. Como “fundamentais”, a investigadora aponta os conhecimentos, a formação académica, mas também as notas, que podem ser um factor diferenciador. “Muitas pessoas pensam: “Não interessam para nada”. Em si não interessa, mas num contexto em que há vários perfis muito idênticos, a média vai diferenciar. E os empregadores disseram isso: eles olham para a média”, salienta.

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