Há um português em todos os cantos e esquinas do teu Skype

Programador português Luís Santos trabalha há seis anos nos escritórios de Talin, Estónia. Com horário flexível, tem benefícios como ginásio e chamadas telefónicas e ganha o dobro dos colegas com o mesmo curso que trabalham em Portugal

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Se, um dia destes, depois de uma qualquer actualização, iniciares sessão no Skype a partir do teu computador e reparares que um certo botão já não é verde, mas azul, pensa que há mesmo um português em cada canto. Se estiveres a usar o sistema operativo Windows, a culpa de tal implementação será, muito provavelmente, de Luís Santos. Com 28 anos, é um dos dois portugueses que trabalham nos escritórios de Talin do serviço de comunicações por Internet que começou por ser desenvolvido na Estónia há mais de dez anos.

Há seis, ainda antes de concluir o curso de Informática no Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, Luís, motivado por alguns colegas, candidatou-se a uma entrevista na empresa, entretanto comprada pela Microsoft por 5,9 milhões de euros. Tinha 21 anos, quase 22, quando chegou à Estónia para “embarcar na aventura” Erasmus. Podia ter ido para a Finlândia ou para a Alemanha, destinos típicos entre os estudantes da sua faculdade, mas decidiu-se por este pequeno país com pouco mais de 1 milhão e trezentos mil habitantes. “Quis uma experiência o mais diferente possível”, conta Luís Santos, à conversa com o P3 numa noite de Verão em pleno centro de Talin. Acabaria por não regressar a Sangalhos, Aveiro, de onde é natural, a não ser para férias.

Começou como “tester”, hoje está na área de desenvolvimento como programador, com “aspirações de saltar para design dentro de um ou dois anos”. Não se arrepende — “foi uma decisão muito boa”. Ganha “um pouco acima de seis vezes o salário mínimo nacional”, o dobro dos colegas com o mesmo curso que trabalham em Portugal. É fazer as contas. Mas, curiosamente, as pessoas que agora estão a ser contratadas para trabalharem no Skype ganham, à partida, mais 20% do que o Luís. “Querem atrair pessoas novas e é difícil encontrar pessoal aqui [na Estónia]. Há muito o sentimento de reciclagem dentro da empresa.” Os interessados só têm de espreitar as ofertas que são anunciadas online.

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Luís Santos tem 28 anos e trabalha no Skype há seis DR

Desde a compra da Microsoft, multiplicam-se as posições em Londres e Seattle. “Estão a deslocar tudo para lá”, comenta Luís. Em 2003, depois da odisseia Kazaa, o sueco Niklas Zennström voltou a juntar-se ao dinamarquês Janus Friis e, em colaboração com os estónios Ahti Heinla, Priit Kasesalu e Jaan Tallinn, desenvolveram na Estónia o Skype. “Por uma questão de mão-de-obra barata”, afiança Luís. Agora, depois da surpreendente compra pela multinacional fundada por Bill Gates, o centro de gestão tem-se afastado do país. A mudança poderá chegar a ele, claro. Ir para Londres está fora de questão (“gosto de cidades pequeninas”), Seattle talvez. Ou, então, será altura de “saltar fora”, ser empreendedor, juntar-se à #EstonianMafia e investir numa nova empresa, no país que, de acordo com o Wall Street Journal, produz mais “start-ups” por habitante do que qualquer outro na Europa.

"Preferes trabalhar na praia?"

E como é trabalhar no Skype? Não há mesas de ping-pong, uma recente moda nas ruas de Talin, mas há uma de bilhar. O horário é flexível — o que interessa é concluir as metas. “Queres trabalhar a partir de casa? A empresa vai fornecer-te um computador. Preferes trabalhar na praia? Trabalha na praia. (…) Agora, se não cumpres os objectivos, vais para a rua. Isto funciona lindamente porque a pessoa não se sente presa ao trabalho, não tem pressão.” Fora outras condições: comida gratuita no escritório, 40 euros por mês para o ginásio, 60 euros para chamadas telefónicas, seguro de saúde — obrigatório, segundo a lei do país.

“Em termos de condições de trabalho não há nenhuma empresa [no país] tão boa”, diz Luís. O que não quer dizer que todas as áreas sejam assim. “Aqui, para além do sector tecnológico, pouco mais há, sinceramente. É a única coisa bem remunerada.” Afinal, este é o país onde a internet é encarada como um direito universal, onde os transportes públicos, na capital, são gratuitos para os habitantes, onde o sistema de governo electrónico é conhecido e seguido mundialmente (o voto electrónico arrancou em 2005), onde tudo se faz online com um cartão (seja serviços de saúde, justiça, educação, finanças e até o Euromilhões), onde poucos andam com trocos no bolso (tudo é pago por multibanco) ou abrem a caixa de correio. Mas onde o ordenado mínimo continua a ser 355 euros. Luís relata o caso de uma amiga, formada em Neurocirurgia, que tem dois empregos e ganha menos do que ele. “Os estrangeiros não vêm cá para ser médicos, vêm para ser informáticos.” Por isso, considera, a informática pode ser uma “bolha”.

Não pediu a nacionalidade estónia — são precisos sete anos, saber a língua e abdicar da nacionalidade portuguesa. Não sente a necessidade, até porque já tem o estatuto de cidadão com residência permanente, que assegura praticamente todos os benefícios de um nativo. “Ao fim de três dias, já tinha a assinatura digital.” É um dos 40 portugueses registados como residentes na Estónia, revelou ao P3 a Secção Consular da Embaixada de Portugal em Helsínquia. Olhando para trás, Luís é taxativo: “Não vejo futuro para mim em Portugal.” Não pensa em voltar. “Eu não vim cá para fora para poupar dinheiro e voltar. Eu vim cá porque queria experimentar e acabei por ficar ‘colado’.” Tem casa (comprada há dois anos), família (a namorada, estónia), não faz , “neste momento, grandes planos de mudar”. O CV está publicado no LinkedIn e, todos os dias, recebe contactos — da Suécia, Finlândia, Alemanha. “Há muita oferta e, havendo muita oferta, é mais fácil encontrar alguma coisa.”

Tendo em conta a sua experiência fora de portas, detecta três grandes problemas em Portugal que bloqueiam as oportunidades para a geração mais jovem: 1) “A questão do ‘canudo’: Dá-se demasiado valor ao curso, menos valor ao conhecimento.” Na Estónia, diz, nos processos de candidatura na área tecnológica, é muito comum pedir ao potencial contratado para concluir uma tarefa de uma forma satisfatória, ignorando, quase por completo, o CV. 2) “Desconhecimento dos gestores em relação à área para a qual estão a contratar.” 3) “Mentalidade retrógrada: Trabalhas das 9h às 17h, tens uma hora de almoço porque é a lei. (…) São estas as condições rígidas porque [pensam que], caso contrário, vais baldar-te ao trabalho.” Talvez por isso hoje define-se de outra forma: “Sinto-me mais europeu do que português.”

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