A empresa de chamadas à borla custou uma fortuna

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Steve Ballmer da Microsoft anuncia acordo de compra do Skype, em conferência de imprensa SUSANA BATES/Reuters
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Steve Ballmer da Microsoft anuncia acordo de compra do Skype, em conferência de imprensa SUSANA BATES/Reuters

Foi a segunda vez que o Skype foi comprado por um preço que surpreendeu toda a gente. Da primeira vez, correu mal. Agora é esperar para ver. Afinal é uma empresa que não dá lucro

De pequena start-up do Norte da Europa a empresa global capaz de preocupar os gigantes das telecomunicações. De protagonista de um dos piores negócios da história recente da tecnologia a empresa comprada a peso de ouro pela Microsoft. E tudo isto sem dar lucro. Esta é, resumidamente, a história dos oito anos de vida do Skype, o serviço de chamadas de voz por Internet, que se tornou sinónimo de telefonemas e videoconferências quase sempre à borla.

O Skype foi ideia do sueco Niklas Zennström, hoje com 45 anos, e do dinamarquês Janus Friis, de 34. O desenvolvimento da tecnologia do Skype foi feito com a colaboração de dois informáticos da Estónia, país onde ainda hoje está boa parte dos funcionários da empresa. Mas, por motivos fiscais, a sede legal é no Luxemburgo.

Em 2003, quando lançou o Skype, Zennström já tinha currículo na área da Internet e das telecomunicações. Cresceu na cidade universitária de Upsalla e estudou Engenharia e Ciências Computacionais. Acabado o curso, foi trabalhar para a Tele2, uma operadora de comunicações norueguesa, onde teve várias funções de gestão, algumas das quais ligadas aos negócios da empresa na Internet. Foi aqui que contratou Friis, com quem, em 2002, acabaria por lançar o Kazaa, um programa de partilha de ficheiros conhecido por ser frequentemente usado para pirataria de música e filmes. O serviço tornou-se muito popular e enfureceu as indústrias do cinema e da música dos dois lados do Atlântico, que puseram o Kazaa em tribunal. Desde então, Niklas e Friis não arriscam pisar os EUA.

Novo paradigma

O Skpye usa a tecnologia normalmente conhecida pela expressão inglesa peer-to-peer (que pode ser livremente traduzida por "ponto-a-ponto"). Isto significa que os pacotes de dados circulam entre o emissor e receptor sem um ponto centralizado.

O peer-to-peer tinha uma vantagem face aos operadores de comunicações convencionais: permitia que o serviço crescesse em número de utilizadores, sem ser necessário um grande investimento em infra-estrutura para acompanhar esse crescimento. "Há 30 anos, tinha de se ter uma grande escala para ter uma distribuição global e ser uma empresa global", observou Zennström, em 2005, numa entrevista ao britânico Sunday Times. "Hoje, pode tirar-se partido da tecnologia e ser uma empresa global, e mesmo assim pequena. É uma mudança de paradigma". Actualmente, a empresa tem mais de 660 milhões de utilizadores registados, mas não chega aos 900 funcionários.

Foi esta tecnologia que deu o nome ao Skype, que originalmente se chamava Sky peer-to-peer. No entanto, e como é habitual em start-ups, a escassez de endereços de Internet acabou por ditar uma mudança no nome. E o endereço Skype.com estava livre.

O sucesso foi rápido. Um ano e meio após o lançamento, tinha 37 milhões de utilizadores. O programa era simples de usar. Bastava instalá-lo no computador, criar uma conta, procurar o nome de outras pessoas que tivessem o Skype e fazer chamadas grátis. Tornou-se um dos meios preferidos para quem queria falar com pessoas noutros países, situação em que as taxas de roaming catapultam o preço de um telefonema. E o facto de permitir (há quase seis anos) fazer chamadas de vídeo ainda hoje dá ao Skype um toque futurista.

O modelo de negócio passa por vender pacotes de minutos a quem quiser fazer chamadas para números de telefone e não apenas para computadores. Normalmente, os preços são mais baixos do que os dos operadores.

Outra fonte de receitas tentadas foram os acessórios, como telefones próprios, que já tinham o software integrado e que funcionavam quando ligados a uma rede sem fios. Porém, mesmo numa era pré-smartphones, os telefones Skype tinham um aspecto antiquado, o seu uso era limitado e não conseguiram vingar no mercado. Além disto, outras funcionalidades, como o correio de voz ou a possibilidade de receber no computador chamadas de um telefone convencional, também eram pagas.

A estratégia inicial era angariar utilizadores e só depois pensar em fazer dinheiro. "Quanto mais pessoas usarem o Skype, mais o vão recomendar à família e amigos", disse o fundador à Business Week, também em 2005. E as coisas corriam bem no que diz respeito à expansão de utilizadores. Mas o balanço de contas não saía do negativo.

Mau negócio

Em 2005, o gigante dos leilões online eBay decidiu comprar o Skype. O valor estava vários furos abaixo dos 5900 milhões de euros que a Microsft agora desembolsou. Mas, ainda assim, comprar uma empresa não rentável, com um modelo de negócio duvidoso e muito afastado do negócio central do eBay por 1800 milhões de euros, foi rapidamente considerado um mau negócio. Pouco depois, o eBay pagou ainda um bónus aos dois fundadores, acabando por atirar os custos da aquisição para os 2300 milhões. A ideia do eBay era integrar o Skype na plataforma de leilões. Vendedores e potenciais compradores poderiam comunicar online, com pouco mais do que alguns cliques. O mesmo aconteceria também no conhecido sistema de pagamentos PayPal, que também é propriedade do eBay.

O plano, contudo, nunca foi executado e o eBay começou à procura de uma forma de se ver livre do Skype. Mas, antes disso acontecer, o serviço ainda esteve perto de fechar - e por causa de uma batalha legal com os próprios fundadores.

Em causa estava a tecnologia de peer-to-peer, que era propriedade de uma empresa de Zennström e Friis, chamada Joltid. Quando o eBay comprou o Skype, o negócio não incluía a compra da tecnologia, mas apenas uma licença para que esta fosse usada. A Joltid e o Skype começaram a disputar os termos do licenciamento, com a primeira a ameaçar terminar a licença de uso, o que, na prática, poria fim ao serviço. O caso acabou por ser resolvido com uma nova mudança de mãos.

Em 2009, o eBay reconheceu finalmente que tinha feito um mau negócio, conseguiu pôr fim ao litígio legal e vendeu, a várias firmas de capital de investimento, 70 por cento do capital do Skype, por um pouco mais de 1300 milhões de euros. Feitas as contas, a venda foi feita praticamente ao preço de custo.

Menos de dois anos depois, no passado dia 10 de Maio, o Skype protagonizou um novo negócio surpreendente. Foi comprado pela Microsoft por seis mil milhões de euros. Bill Gates, que já está afastado da gestão quotidiana da empresa mas que tem assento no conselho de administração, revelou, numa entrevista à BBC, que defendeu vivamente a compra do serviço de chamadas.

"O conceito de videoconferência vai ser muito melhor do que é hoje", afirmou, dando apenas uma pista sobre o tipo de serviços que a Microsoft poderá estar a preparar. Foi a maior compra de sempre da multinacional fundada por Gates.

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