Quando a publicidade quer ser boa, é mesmo muito boa

O consumidor de hoje é a marca e a marca é feita para ele. Nesse sentido, a publicidade segue o mesmo caminho. Tem pouco de produto e muito de humano

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Clapagaré/Flickr

Quando falo com amigos ou familiares acerca de publicidade todos lhe apontam o dedo. Falam de poluição visual, entropia, ferramenta de propaganda e “conteúdo sem interesse que normalmente passa entre programas de televisão”.

Eu gosto de pensar que não é nada disso. E acredito sinceramente que não o seja. Essa é uma das razões que me levou a optar por trabalhar no ramo, mas percebo as várias perspectivas. Percebo de onde vêm e percebo do que falam. Ainda há relativamente pouco tempo — por volta dos anos 40 — tínhamos campanhas publicitárias em que médicos se apresentavam em poses confiantes e confortáveis para nos explicar o benefício dos cigarros, passando uma ideia totalmente desassociada do que este produto é na realidade.

E este é apenas um pequeno exemplo. Sinto que as pessoas estão ainda um pouco traumatizadas por tudo o que foi feito antes. Pelo uso dado a uma ferramenta de comunicação com enorme preponderância e poder de alcance, capaz de ocupar espaços públicos de destaque difíceis de ignorar.

Mas a comunicação mudou muito ao longo destes últimos anos. Muito por força do consumidor, que hoje já não se deixa levar pelo que as marcas atestam. Antes pelo contrário: agora questionamos, verificamos, analisamos e contestamos.

O consumidor de hoje é a marca e a marca é feita para ele. Nesse sentido, a publicidade segue o mesmo caminho. Tem pouco de produto e muito de humano.

As campanhas mais bem sucedidas acabam todas por seguir um pouco esta fórmula. Campanhas que, em última instância, servem para promover um produto ou serviço, mas que são muito mais do que isso por adicionarem valor, um valor que faz com que se distingam das milhares que são produzidas todos os dias.

Um valor que passa por mudar consciências, alterar atitudes, criar espaço para o debate saudável; solucionar problemas complexos, ajudar quem precisa ou provocar um impacto positivo. Ou, por vezes, até só inspirar e fazer-nos colocar coisas em perspectiva.

O produto tem de ser vendido e quanto a isso não há nada a fazer. Mas, enquanto esse produto é publicitado, será que podemos também (e quase em paralelo) ter um impacto positivo na sociedade (ou até no mundo)?

Não há “briefing” nenhum em que não pense nisto e acredito que as marcas deveriam fazê-lo também. Porque quando o fazem coisas extraordinárias acontecem — como neste exemplo, onde uma simples ideia faz esquecer um conflito por minutos e proporciona uma experiencia de partilha que de outra forma seria impossível. O valor adicional desta campanha é extraordinário. Faz-nos esquecer a marca e pensar na temática. Esquecer o produto e reflectir no que é importante.

Mas o produto está lá e a marca sai também a ganhar, indubitavelmente. É a chamada “win-win situation” e tem mesmo de ser assim porque, querendo ou não, a publicidade é um negócio como outro qualquer — o objectivo último será sempre vender.

Está na altura de redesenhar um modelo que já não faz muito sentido. Olhar para o poder que as marcas têm, repensar a capacidade de investimento destas e criar valor adicional. Sempre que for possível.

Isto tem de partir das marcas, mas não só. Quem está envolvido na criação das campanhas também terá um papel fulcral. E claro, principalmente quem as consome.

É complicado, mas vale a pena. Porque quando a publicidade quer ser boa, é mesmo muito boa.

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