O que o futebol nunca percebeu do râguebi

No Mundial do Brasil vimos muitas faltas intencionais, com comentadores a valorizá-las, numa absoluta falta de respeito pelo trabalho do adversário

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Acabou o Campeonato do Mundo de futebol acertado com o conhecido presságio do único futebolista que nunca recebeu um cartão amarelo ou vermelho, Gary Lineker: onze de cada lado e no fim ganha a Alemanha. Mas desta vez não pelo poder físico mas pela transformação de uma escola que levou anos de trabalho e onde a "habilidade motora" prevaleceu sobre os outros factores de escolha e trabalho.

Foi um bom campeonato, com excelentes jogos e com emoção quanto baste. Factor de desilusão apenas o desastre português com uma equipa mal preparada - dizendo o mínimo - para o nível exigível.

De mau no campeonato, o habitual no futebol: faltas intencionais e simulações sem vergonha.

A estória vem de trás. Na passagem do futebol a profissional veio de Inglaterra um conceito que, embora classista, salta à evidência: "the professional foul". Como parece óbvio este conceito resultou do facto da separação de classes que transformaram o futebol - e o râguebi, também, mas neste caso surgiu uma nova modalidade, o Râguebi de XIII - quando passou a profissional. Não passando, como estabelece a tradição, pela cabeça da aristocracia britânica - com os seus sportsmen plenos de fairplay - cometer atentados à ética desportiva, a sua desconfiança pela classe trabalhadora fazia-os acompanhar com desconfiança a ética do desporto profissional. Professional foul, falta premeditada ou intencional foi o resultado, diziam, do jogo onde o dinheiro prevalece.

E neste Mundial vimos muitas - demasiadas! - faltas intencionais. Pior, com comentadores a valorizá-las, numa absoluta falta de respeito pelo trabalho do adversário e pelos interesses do espectáculo, como necessárias e inteligentes! As exigências do desporto, permitindo a falta enquanto erro involuntário, não devem permitir o prejuízo premeditado.

Qualquer código de ética desportiva - mesmo o nosso que não somos nenhuma potência de cultura desportiva - considera a falta intencional como uma violação grave das normas do desportivismo que deve estar presente numa competição desportiva.

À falta intencional, o futebol responde com livre e cartão amarelo - um faz de conta que, depois de somado tantas vezes, retira o jogador de um jogo contra outro adversário. Quer dizer, o ofendido não retira qualquer vantagem e a falta intencional - aquela que propositadamente destrói em falta a hipótese de ataque do adversário - castiga-se fora do espaço e do tempo do prejuízo. Faz isto sentido?

O râguebi resolveu este problema de forma inteligente: falta intencional, cartão amarelo e dez minutos de suspensão. Ou seja o prejuízo intencionalmente provocado é castigado no próprio jogo com vantagem evidente: durante dez minutos o não infractor tem direito a superioridade numérica. Também a interpretação que se faz no futebol da lei da vantagem não me parece que seja um primor de ética desportiva: falta, jogador pelo chão e sem poder contar como elemento da sua equipa; a bola por artes de qualquer coisa vai ter a um companheiro de equipa do derrubado, o jogo continua, a bola perde-se os faltosos ficam com a posse da bola em óbvia vantagem do infractor. No râguebi é diferente: a aplicação da lei da vantagem pressupõe que a equipa prejudicada tem uma vantagem táctica que lhe pode trazer benefícios - e caso isso não aconteça, o árbitro volta ao local da falta inicial.

Ou seja: a falta no râguebi e ao contrário do futebol, não compensa! Para juntar a esta concepção ética do jogo, o râguebi usa ainda - como acontece também noutros desportos para tentar evitar tanto quanto é possível os erros de julgamento - o recurso à televisão. Teimosamente o futebol não quer saber e o fora-de-jogo - que a ciência afirma da dificuldade humana de controlo absoluto - continua na dependência da interpretação do trio de arbitragem. Como vimos neste Mundial de futebol, erros não faltaram - e os resultados nem sempre foram o que deveriam ter sido.

O râguebi, sendo de grande complexidade de análise, procura meios que o mantenham nos limites da ética desportiva, fazendo jus ao dito de ser um jogo de insurretos jogado por cavalheiros. Não quererá o futebol aprender e juntar-se? Os que gostam do jogo, agradecem.

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