O “outsourcing” das nossas vidas

Disfarçado de processo eficaz de gestão, o “outsourcing” não é mais do que a subcontratação que permite às empresas desresponsabilizarem-­se dos seus deveres perante os trabalhadores

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Alessandro Garofalo/REUTERS

O “outsourcing” é a designação formal do processo de gestão pelo qual se transmite a responsabilidade do trabalho, de certas actividades ou prestações de serviços, a empresas terceiras. Esta estratégia tem sido aplaudida como um potencial ramo de negócio em Portugal. “Mas à custa do quê?” — Perguntamos nós, que trabalhamos. Simples: à custa da precariedade e da desvalorização do trabalho.

O Governo português é quem mais tem promovido Portugal como um paraíso laboral do “outsourcing”, graças à flexibilização das normas do Direito do Trabalho a favor das entidades empregadoras e em detrimento dos trabalhadores. A esta flexibilização junta­-se um contexto económico que coloca o país na mira de empresas estrangeiras interessadas em fazer “outsourcing”: é que aqui pagam sempre menos do que pagariam noutro país da União Europeia. Não fosse Portugal o tão aclamado bom aluno da Europa e não estaríamos num país que orgulhosamente hasteia a bandeira da competitividade, que mais não é do que a redução de custos e dos salários variáveis (ou competítiveis, dizem!).

Trata-­se, no entanto, de um problema transfronteiriço que serve os interesses do capital e da estratégia de concentração absoluta de riqueza. Disfarçado de processo eficaz de gestão, o “outsourcing” não é mais do que a subcontratação que permite às empresas desresponsabilizarem-­se dos seus deveres —­ enquanto entidades empregadoras — perante os trabalhadores. É desta forma que este aclamado ramo de negócio anda de mãos dadas com a precariedade, já que coloca os trabalhadores numa roda viva de dúvidas, num jogo de “quem é quem?” no mundo do trabalho. Isto acontece porque a relação laboral acaba por se perder entre a empresa que contrata o serviço de “outsourcing”, a empresa que, por sua vez, presta o serviço de “outsourcing” e a empresa (intermediária) que intervém no recrutamento e contratação dos trabalhadores. Aqui surge o próprio recrutamento enquanto serviço de “outsourcing” para aumentar a confusão, com a nuance de estarmos a falar de pessoas e não de meros serviços.

Este triângulo das Bermudas não serve mais do que para fomentar vínculos laborais precários, já que as ditas empresas de recrutamento — na sua maioria Empresas de Trabalho Temporário — usam o trabalho temporário, os recibos verdes ou os contratos a prazo como formas flexíveis de contratação com baixos salários, que servem apenas os interesses das próprias empresas. Dado o carácter temporário dos serviços de “outsourcing”, cuja contratação depende sempre do risco económico que lhe esteja associado, os trabalhadores querem-se temporários para que possam ser dispensados mal a necessidade da empresa se encontre satisfeita ou no caso do serviço já não ser economicamente interessante.

É neste cenário de confusão que o trabalhador precário encontra a maior das adversidades, não sabendo, muitas das vezes, para quem trabalha ou quem é o responsável directo das suas más condições laborais. Para resolver este quebra-cabeças temos de começar pela pergunta central: quem é o teu patrão?

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