"Diários" do escritor George Orwell publicados pela primeira vez em Portugal

Editora D. Quixote publica em Portugal os "Diários" de George Orwell, que incluem mapas de viagens traçados pelo escritor assim como esquissos a lápis

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jason ilagan/Flickr

Os "diários" do George Orwell são pela primeira vez publicados em Portugal concedendo ao leitor uma espécie de autobiografia que o escritor britânico nunca publicou. Os onze cadernos foram escritos entre 1931 e 1949, sabendo-se que existem outros dois com anotações diárias da permanência na Guerra Civil de Espanha (1936-1939), mas que foram apreendidos pela polícia política de Estaline e encontrando-se ainda nos arquivos do NVKD em Moscovo.

Além das referências às viagens de juventude, as notas publicadas referem-se à vida dos mineiros e dos trabalhadores migrantes, no "Diário da apanha do lúpulo" e do extenso "O Diário de o caminho para o cais de Wigan", no País de Gales, e que deu origem a um livro, mas também as impressões regulares sobre a ascensão dos regimes totalitários, nomeadamente Alemanha, União Soviética e Espanha, e que foi inspiração para as obras "O Triunfo dos Porcos" e "1984".

Acompanhando a actualidade política antes e durante o conflito que se prolongou entre 1939 e 1945 em todo o mundo, George Orwell interpreta com regularidade as formas de poder e as relações com os cidadãos."No meio de uma batalha medonha em que, suponho, milhares de homens morrem todos os dias, fica-se com a impressão de que não há notícias. Os jornais da tarde dizem o mesmo que os da manhã, os da manhã dizem o mesmo que os da noite anterior, e a rádio anuncia o que vem nos jornais", escreve no dia 08 de junho de 1940 criticando, ao mesmo tempo, a forma como são difundidos os acontecimentos sobre o conflito."Quanto à autenticidade das notícias, contudo, há provavelmente mais omissões do que mentiras propriamente ditas", sublinha George Orwell que, impedido de se alistar por motivos de saúde, acaba por trabalhar na BBC, como correspondente.

Os diários demonstram também uma preocupação quase permanente com os reflexos dos movimentos políticos e dos interesses instalados, em Inglaterra e no mundo.“Onde sinto que as pessoas como nós (referindo-se a um amigo) compreendem a situação melhor do que os chamados peritos não está na capacidade de prever acontecimentos específicos, mas sim na capacidade de compreender o tipo de mundo em que vivemos”, diz Orwell em 1940 referindo que, "pelo menos", foi sem surpresa que viu o mundo mudar.

As notas de carácter pessoal são abundantes e a edição portuguesa publica os mapas de viagens traçados pelo escritor assim como esquissos a lápis das mais variadas situações, desde esquemas de irrigação para jardinagem, até à forma de prender uma vaca de forma eficaz. As notas revelam também o drama da morte da primeira mulher, passagens sobre o filho adoptivo, a tuberculose e uma vida muitas vezes precária, sobretudo durante a II Guerra Mundial. "A situação financeira está a ficar completamente insustentável. Escrevi uma longa carta aos tipos do Imposto sobre os Rendimentos, sublinhando que a guerra tinha praticamente posto fim ao meu ganha-pão, enquanto, ao mesmo tempo, o Governo se recusava a dar-me qualquer tipo de emprego. Em relação ao Governo não tenho quaisquer escrúpulos, e fugiria a pagar o imposto, se pudesse. Contudo, estaria mais do que disposto a dar a minha vida pela Inglaterra, se achasse que era necessário. Ninguém é patriótico no que toca aos impostos", lamenta Orwell.

George Orwell, pseudónimo de Eric Blair nasceu na Índia em 1903, fez o serviço militar na Birmânia, combateu em Espanha e deixou uma obra que marcou o pensamento político contemporâneo. Morreu na Escócia em Janeiro de 1950, com 47 anos, vítima de uma hemorragia pulmonar.

"Diários" de George Orwell (Editora D. Quixote, 735 páginas) foi lançado em Portugal na semana passada e incluiu também textos de enquadramento que complementam cada um dos diários e cadernos de anotações.

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