Artista plástico cria "granadas musicais"

O artista plástico canadiano Maskull Lasserre criou granadas que, quando detonadas, reproduzem música. "Como uma arma, a música de um instrumento pode afectar pessoas a grandes distâncias"

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Maskull Lasserre

Chamam-se "Beautiful Dream" e são granadas funcionais às quais se pode retirar o pino e que resultará numa "detonação sónica". Dependendo das versões, a peça fará soar apenas uma vez a canção "America the Beautiful", de Katharine Bates, ou "Beautiful Dreamer", de Stephen Foster. Falamos com o artista plástico canadiano, que chegou a acompanhar uma campanha do exército canadiano no Afeganistão.

Esta não é a tua primeira peça que contrasta música com ferramentas de violência. Estou por exemplo a pensar na peça "Second Thought". Porque é que exploras este binómio?

Toquei violino durante 15 anos. A música ainda forma a maneira como penso o meu trabalho em escultura. Sempre pensei que instrumentos musicais eram análogos a armas — como uma arma, a música de um instrumento pode afectar pessoas a grandes distâncias. É uma maneira de inflingir (comunicando) a intenção do operador. Até a maneira de segurar num violino é reminiscente de uma espingarda. Nesta série "Beautiful Dreamer" o som radiaria da granada em ondas comprimidas tal como uma onda de choque em detonações de explosivos.

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Maskull vê o seu papel como artesão como a parte mais fundamental do seu trabalho enquanto artista

Estas granadas musicais só podem ser detonadas uma vez. Tu próprio já tinhas afirmado que uma vez detonadas a peça está efectivamente destruída...

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As granadas são feitas em bronze, e o criador assegura que deixam de existir enquanto peça a partir da detonação

O soar único destas peças está em sintonia com a sua natureza enquanto granada. Estas não são caixas de música, são bombas. Estamos tão habituados à reprodutibilidade infinita da música gravada que o facto deste objecto — e o seu som —só ter uma vida obriga os observadores a pensá-lo, a valorizá-lo de outra maneira. A "mortalidade" do soar único transforma esta melodia numa metáfora para a vida, que é vivida apenas uma vez e nunca mais repetida. Este aspecto também se relaciona com o propósito específico de uma granada em relação à vida humana. Por outro lado, a peça no seu estado estático está, de certa maneira, incompleta até a música soar. Isto apresenta um enigma ao espectador: detonar a peça e concretizar a emergência do trabalho, ou preservar o potencial e viver com uma peça incompleta? Isto foi pensado para provocar algum desconforto com este dilema.

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Muitas das peças de Lasserre remetem para colisões entre dois mundos aparentemente afastados

Qual foi o critério para a escolha das canções das granadas?

As selecções musicais para este trabalho têm algumas razões. Ambas contêm a palavra "beautiful", e isso contribui para o contrapeso irónico ao formato da granada. Também têm um elemento deceptivo que serve para munir a peça, num sentido figurativo. As melodias provocam associações entre as referências culturais e a retórica relativa à guerra. Contudo, se pensares bem, não há nada de inerentemente contestatário ou endossante sobre essa relação. Interpretações, tal como o próprio som, podem radiar para fora mas o objecto no centro permanece apenas uma esfera de metal oca.

Como é que a tua experiência a acompanhar o exército canadiano no Afeganistão influenciou o teu trabalho?

É difícil condensar uma experiência tão densa como essa em poucas palavras. A experiência real da guerra não tem quase nenhuma relação com a sua representação nos media ou noutras plataformas. É uma sensação que é perdida na tradução para termos exógenos à experiência em si. Sinto-me privilegiado de ter assistido a tudo o que assisti com as forças da ISAF e da ANA, de ter testemunhado tanto o melhor como o pior que a humanidade tem para oferecer. Não há território comum entre arte e guerra, mas a minha experiência definitivamente exerceu uma força gravítica sobre o meu trabalho. Julgo que é algo que eu ainda vou continuar a descobrir e compreender através dos objectos que faço.

Uma crítica constantemente apontada à arte contemporânea é a de que é composta por demasiada imaginação e insuficiente perícia. Como um artista plástico que é artesão das suas próprias peças, qual é a tua opinião?

Passamos tanto tempo preocupados com etiquetas e designações que nos esquecemos que a importância de uma experiência não é a sua categorização, mas o seu conteúdo. Concordo que a etiqueta de "arte" é muitas vezes usada para justificar objectos que não são sustentáveis sem ela. Não precisa ser assim. A palavra "arte" pode ser usada para descrever os mais refinados feitos de expressão que não precisam dessa designação para ser bem sucedidos, e que têm um contributo poderoso para o mundo. Mas para além de tudo isto, a minha relação com o meu trabalho é efectivamente enquanto artesão. Aprendo e desenvolvo-me através do processo cinético da criação. Assim que uma peça está acabada, repousa - e a nossa relevância mútua termina. Está entregue ao mundo.

Texto editado por Luís Octávio Costa

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