25 de Abril: as vidas que nasceram da revolução

Apesar de a minha geração — qual repetição da história — ser incentivada à emigração, hoje saímos com bagagens muito diferentes

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Paolo Margari/Flickr

Não vivi o 25 de Abril de 1974, mas quase de certeza que também não viveria hoje se ele não tivesse acontecido. Na minha família não existe historial de actividade política. Não me chegou qualquer história particularmente relevante sobre a revolução, sobre qualquer papel ativo glorioso (mesmo inventado) ou sobre injustiças e opressões sofridas (mesmo exageradas). A minha ascendência provém do meio rural, alienado das movimentações políticas de vanguarda e onde a mudança sempre ocorreu a um ritmo próprio. Fica-me hoje a sensação que aí se terá vivido a revolução de um modo diferente, com o seu próprio ritmo, mais calmo. Aquilo que fui ouvindo não soava a mudança radical, mas muito mais a uma transformação gradual, e que ainda continua a decorrer.

Foi-me chegando informação difusa, e precisei de a ir montando e estruturando, por mim, para poder ter opinião sobre o assunto. No entanto, se não fosse a revolução eu não estaria aqui a escrever estas palavras. Se não fossem as oportunidades resultantes da queda da ditadura, e o renascer da esperança de meados dos anos 70, eu e muitos outros não teríamos nascido. Nos anos seguintes à revolução Portugal cresceu demograficamente de um modo abrupto. Chegaram, pelo que se diz, mais de meio milhão de refugiados portugueses das antigas colónias – os tais retornados. Regressaram também, nos anos seguintes, milhares de emigrantes portugueses, com algum dinheiro mas mais ricos na esperança que depositavam no potencial de Portugal. Era muita a esperança de concretizar a transformação do país, numa nação desenvolvida como aquelas de onde retornavam.

A minha família materna regressou de França no pós-25-de-Abril. Sem essa abertura dificilmente teriam voltado. Como a saudade era constante, mesmo estando na memória a miséria dos tempos do antígo regime, a esperança na possibilidade que se abria serviu para ultrapassar os riscos do retorno. Das massas de portugueses que voltaram inventou-se uma nova geografia humana para Portugal. Sempre fomos país de emigrantes, mas, nesse ponto-chave, fomos imigrantes no nosso próprio país.

Se não fosse o 25 de Abril, e mesmo que os meus pais se tivessem conhecido em ditadura, apesar dos muitos quilómetros de distância e outras barreiras, eu, e muitos outros como eu, não seriamos o que somos hoje. Mesmo se tivéssemos nascido, para muitos de nós nunca haveria mobilidade social. Nunca teriam surgido as oportunidades, criadas pelos nossos pais, de sairmos da pobreza e ignorância que, na generalidade, caracterizavam Portugal.

Apesar de a minha geração — qual repetição da história — ser incentivada à emigração, hoje saímos com bagagens muito diferentes, com oportunidades e preparação outrora impossíveis num país sem liberdade e onde faltava quase tudo à maioria da população. Será que precisamos de completar o processo iniciado há 40 anos? Fará falta uma nova emigração de portugueses, pensando naqueles que partiram recentemente em diáspora, para, em conjunto com os que por cá ficaram, completar a mudança do pós-25-de-abril, reinventando o desenvolvimento do país?

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