25 de Abril: a nostalgia de um bem perdido (nunca alcançado)

Não tendo vivido aquele tempo, hoje sei que vivemos num tempo infinitamente melhor

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Tamara Alves

Ditaram as leis que regem os acontecimentos ocasionais que, nos últimos três meses, tivesse convivido de perto com militares na Associação 25 de Abril. Lá, percebi que Abril é a nostalgia de um bem perdido que nunca foi conquistado na plenitude. Se o tivesse sido, a casa da democracia não se recusaria a ter presente nas comemorações dos 40 anos da Revolução dos Cravos os responsáveis directos dessa conquista. O parlamento até convida, mas não quer que se expressem. Esta e outras contradições do Portugal democrático só demonstram que os militares têm razão em estar zangados. Todos nós deveríamos estar.

Entre os tradicionais pratos de bacalhau com broa e feijoada, e os pratos importados das antigas colónias - "calulu" e "cachupa" -, recordam-se tempos que já lá vão; revisita-se o Ultramar, com mágoa, mas também com saudosismo. Afinal, o tempo quando passa é sempre amigo das boas recordações, a juventude, os amigos, os sabores peculiares daquelas terras.

Mas não é, exclusivamente, o passado que motiva - ele será apenas o alicerce - dos Almoços Animados Ânimo de todas as quartas-feira na associação. À mesa, dá-se uma sova no presente, no estado das coisas, enfim, no estado pouco democrático em que o país está enfiado. Critica-se, não só os últimos três anos, mas todo o caminho traçado desde há 40 anos.

Ora, o que mais desperta o "espírito revolucionário" visível nas palavras destes homens é o facto de se constatar que tudo aquilo que se quis para Portugal está passo a passo a desvanecer-se. Muitos dirão - e têm razão - que os militares não passarão das palavras aos actos. E é assim que tem de ser.

Afinal de contas, o melhor que o 25 de Abril nos trouxe foi a liberdade de reflexão, pensamento, discussão e a possibilidade de com isso alertar consciências. Pode não parecer, principalmente para quem não tira as vendas, mas esse legado é a chave para hoje e para amanhã. Há 40 anos não era possível fazê-lo de forma livre e espontânea. Hoje, podemos fazê-lo em casa, no café da esquina, na Praça do Comércio, no trabalho, nas escolas. Enfim, em todo o lado. Menos no parlamento, mas isso são contas do rosário de Assunção Esteves e dos seus semelhantes (mas também nossas).

Os militares querem revalidar o 25 de Abril, querem pois. Mas sabem que isso só pode acontecer através da elucidação, da palavra, da formação, da educação. Podem, muitas vezes, proferir palavras ásperas, mas ninguém quer uma revolução de espingarda na mão. Nem eles, nem nós.

Sem "lápis azul"

O problema é que somos um povo que levou no lombo, mas sobretudo na cabeça, com quase 50 anos de ditadura e isso tem as suas consequências na maneira como funcionamos e nos organizamos em sociedade (ou na maneira como não nos organizamos), na forma como não votamos, na forma como não queremos saber, na forma como não reagimos às facadas dadas à ainda jovem democracia (hoje em dia, os 40 são os novos 20).

Passados 40 anos, muitos ainda não alcançaram os privilégios do 25 de Abril e, como tal, não se servem das conquistas resultantes dessa data. Ainda eu não era nascida, e creio que também estava longe de constituir plano na vida dos meus pais - emigrados na altura em França -, quando Portugal se libertou da ditadura. Não tendo vivido aquele tempo, hoje sei que vivemos num tempo infinitamente melhor. Percebo que a maior arma que cada um de nós tem à disposição - liberdade de pensamento e de expressão - foi conquistada pela coragem dos militares de Abril. Sem eles, estas linhas que escrevo não passariam por outros olhos à excepção dos meus e os do "lápis azul" da censura.

Sem eles, este jornal e outros jornais não existiriam. Por tudo isso, agradeço-lhes a bravura da revolução que pensaram e concretizaram. Agradeço-lhes também o bacalhau com broa, a amabilidade com que me receberam e a vontade que revelaram em querer continuar a ter nos vossos almoços esta jovem que não contribui em nada com memórias daquele tempo. Só deste.

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