A guerra de gerações

Em Portugal não existe uma guerra de gerações. Para existir, seria preciso haver gerações a lutar entre elas. Não há. Há apenas uma geração que vive da miséria da outra

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Jim Young/Reuters

Desde há algum tempo que se vem dizendo que a geração jovem atual poderá vir a viver pior que a geração dos seus pais. Isto poderá acontecer e é o resultado direto das políticas defendidas pela geração destes pais que vivem à custa do desemprego e da precariedade dos filhos.

Não é difícil encontrar exemplos desta exclusão. O mais simples talvez seja o dos taxistas: para se ter um táxi é preciso uma licença, licença esta que limita a quantidade de táxis em circulação. Estas licenças estão nas mãos de taxistas e empresas já estabelecidos, e impedem o aumento do número de pessoas a trabalhar nesta área. Assim, a exclusão de outros potenciais trabalhadores é usada para aumentar e garantir os salários e lucros de quem já está no negócio.

No sector público, a exclusão é bastante evidente. Veja-se o caso dos professores: a geração dos nossos pais formou e colocou a lecionar nas escolas milhares de professores, tanto os melhores como os piores formados em educação do país. Hoje em dia, nem os melhores professores recém formados conseguem encontrar emprego nas escolas públicas, embora muitos maus professores formados na geração dos nossos pais continuem empregados e a deseducar dia após dia. Como todos os professores efetivos, estes maus professores são protegidos independentemente da qualidade do seu trabalho à custa da exclusão dos melhores professores mais novos.

Já o caso dos médicos é um pouco diferente. Durante anos os médicos usufruíram de elevados salários e baixas exigências de desempenho através de uma severa limitação do número de médicos a serem formados. A exclusão dos jovens desta profissão era, portanto, feita logo no momento da candidatura à universidade. No futuro, caso o número de médicos em formação se mantenha elevado como hoje, a exclusão dos médicos mais novos processar-se-á de forma semelhante à dos professores.

Um caso curioso é o dos livreiros: temos em Portugal uma lei anti-concorrência que proíbe a venda de livros com um desconto superior a 10% relativamente ao preço de referência, impedindo novos livreiros que se diferenciem pelo preço de entrar no mercado. Estes preços artificialmente altos fazem também com que se vendam menos livros, restringindo o acesso da população à cultura e gerando desemprego para autores, ilustradores, tradutores, gráficas, etc.. Tudo para proteger os empregos e lucros de um pequeno grupo de profissionais e empresas já estabelecidos.

Nas profissões por contra de outrém, o mecanismo habitual é outro: os trabalhadores mais antigos são protegidos através de penalizações às empresas que os pretendam despedir ou substituir. Quanto mais antigos, maior a penalização que os protege, não pela qualidade do seu trabalho mas pela sua antiguidade. Assim, desincentiva-se as empresas de se atualizarem com trabalhadores mais dedicados ou mais qualificados, mesmo que com maiores salários, protegendo os trabalhadores mais antigos à custa dos mais novos e dos desempregados.

Como estes, existem vários outros mecanismos que erguem um enorme muro que divide a nossa sociedade, que assegura que do lado em que se faz - e come - o pão são poucos os que saem e ainda menos os que conseguem entrar. Quem entrou no tempo dos escadotes grandes lá ficou, quem vem depois ou teve de sair entretanto que se dane.

Como se isto não bastasse, muitos ainda defendem que as gerações mais antigas têm de ver os seus empregos e salários "protegidos" porque são elas quem sustenta as mais novas. A geração que vive do desemprego da outra tem de ser protegida para que possa continuar a dar pão e tecto à sua vítima. É imensa a generosidade da geração que fez as leis que desempregam os seus filhos.

Mas não há motivos para preocupação: a geração mais nova não está nada incomodada com isto, pois sempre olhou para as "proteções" da geração dos seus pais com respeito e desejo, vendo-as como um direito. A geração mais nova sonha, não com uma sociedade em que as pessoas tenham acesso a mais empregos e possam comprar mais livros, ter mais educação e mais saúde, mas com uma sociedade em que possam ter um emprego garantido, por mais desemprego alheio que isso custe. Enquanto sonha - e o desemprego dá muito tempo para sonhar - esta geração continuará a viver das migalhas da geração que vive da sua miséria, na esperança de um dia ser ela quem atira as migalhas a outros.

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