Ajudar: e dizer não?

Saber ajudar, e quando não ajudar, é fundamental. Cada ajuda que negamos, é uma ajuda que guardamos para ajudar bem e para ajudar mais. Ajuda quando podes e quando queres

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Reuters

Um dia disseram-me que eu ia ajudar numa recolha de alimentos para uma instituição de solidariedade, e eu fui. Estávamos numa pequena área reservada dentro de um hipermercado, fora da zona das compras, perto das portas de entrada e saída. A minha tarefa era simples: dirigia-me a alguém que entrava e explicava que estávamos a fazer uma recolha de alimentos para uma organização de apoio a jovens deficientes mentais, entregando um saco onde poderiam colocar um donativo no fim das compras se quisessem.

Nas poucas horas que ali estive, fui "premiado" com pessoas a discutir e até a berrar comigo. Tive pessoas a fazerem-me perder o meu tempo com desculpas: desde não saberem português até dizerem que vinham só comprar comida para a gata para logo a seguir entrarem na loja de electrodomésticos. Ao mesmo tempo, tive pessoas a entregarem-me sacos com um pacote de leite e a pedirem-me desculpa: "Desculpe, eu sei que é pouco...". Fiquei marcado no bom e no mau sentido, e a pensar muito no assunto.


Cheguei à conclusão que todos estes comportamentos são desequilibrados e têm a mesma origem: o não sabermos lidar com o facto de não querermos ou não pudermos ajudar, quando confrontados com um pedido de ajuda directo. Acabamos frequentemente por faltar ao respeito aos outros e a nós próprios. Por isso é importante saber quando e como não ajudar. Isso mesmo: não ajudar. Como alguém com várias experiências dos dois lados da barricada, acho que há várias coisas a apontar:


1. Se não queres ou não podes ajudar, não ajudes.


O dinheiro é teu e tu não deves explicações a ninguém sobre o que fazes com ele, a não ser a ti próprio. Se a pessoa te abordou de forma educada responde também de forma educada: um simples "não, obrigado" basta.


2. Se não conheces a organização, não dês.

Pede informação, pergunta o nome, o "website" ou contactos. Avalia a organização: algumas não são legítimas, e mesmo as que são podem ser ineficientes ou não se dedicarem a uma das causas que tu mais valorizas. A fama do nome da organização também não é sinónimo de alcance ou qualidade, é sinónimo de bom "marketing".

3. Não dês agora, dá mais tarde.

Um donativo pode sempre chegar por simples transferência multibanco umas horas ou dias mais tarde, mas nunca voltará à tua carteira. Nos sites das organizações podes encontrar os dados para fazer donativos e doares quanto e quando quiseres.


4. Estão a ser mal educados contigo ou a julgar-te? Não dês.

As pessoas que recolhem donativos sabem que a maior parte das pessoas abordadas não dá nada, e só exigem receber respeito. Se quem pede fica transtornado ou indignado pela falta de donativo, é porque o dinheiro é para seu benefício próprio e não para ajudar.


5. Em caso de dúvida, não dês.

Algumas pessoas pedem para si próprias fazendo-se passar por organizações reconhecidas, outras pedem legitimamente mas não estão devidamente identificadas. Regra geral, se estão num espaço controlado (dentro de uma estação de combóios, hipermercados ou escolas, por exemplo) é porque têm permissão para lá estar e são legítimas. Se estão do lado de fora, normalmente perto das entradas de locais movimentados, duvida. Lembra-te que podes sempre dar noutra altura por outras formas.


6. Se fores apanhado numa "ratoeira", não ajudes.


Uma caixa de pagamento de um hipermercado em que o funcionário te pergunta "Quer arredondar?" é uma ratoeira. É um sistema desenhado para te forçar a decidir sem tempo para pensares, com pouca ou nenhuma informação sobre quem estarás a ajudar e sob a pressão de funcionários e clientes que observam a tua resposta. Num vídeo disponível no YouTube, a apresentadora Fátima Lopes explica como esta campanha resulta em 95% das abordagens e chama de "descarados" aos 5% dos clientes que decidem não doar. Não compactues com intimidação e insultos.


Saber ajudar, e quando não ajudar, é fundamental. Cada ajuda que negamos, é uma ajuda que guardamos para ajudar bem e para ajudar mais. Ajuda quando podes e quando queres. Ajuda-te a ti próprio, à tua família, aos teus amigos, à tua comunidade. Ajuda as causas que tu apoias, as instituições em quem tu confias. Ajuda com dinheiro, bens, tempo ou ações. Ajuda. Mas tem sempre a inteligência e a coragem de saber dizer não.

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