O amor é piroso e mentiroso... e é bom que o seja

O amor é estúpido, é fodido, é um vício, é piroso, é cego, é cobardia e é mentiroso. "Puta que pariu o amor" dizem Lady Mustache e Sara-a-dias

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Nádia Pinto descreve o seu pseudónimo Lady Mustache como “o camionista que está dentro do corpo de uma princesa”. Esse camionista teve de sair e lançou agora o livro “Puta que pariu o amor” (Cego, Surdo e Mudo Edições). Entre as referências da cultura popular, o humor e a linguagem vernacular, dizem-se algumas verdades e reflecte-se o estado do amor na actualidade, com a ajuda das ilustrações de Sara-a-dias.

Se as primeiras páginas do livro de Lady Mustache fazem referência ao texto de Luís Vaz de Camões sobre o amor (“O amor é fogo que arde sem se ver”), o último capítulo dedica-se em grande parte a uma interpretação melodramática e irónica de um tema de João Pedro Pais (“Mentiiiiiiira”). É precisamente este carácter bipolar entre o sério e o menos sério, entre a brincadeira e a reflexão que acompanha o pequeno livro (trinta e tal páginas), lançado no início de Fevereiro a pensar no dia de S. Valentim.

O amor é mentira

“Acho que toda a gente se vai identificar com alguma parte do livro. Acabo por dizer muitas coisas que as pessoas não têm coragem de dizer. Não são críticas directas, são apontamentos visuais”, explicou ao P3 a criadora da personagem.

De entre os tópicos do livro, Nádia Pinto destaca os capítulos “O amor é piroso”, onde expõe os casais “que dão nomes fofinhos um ao outro” ou são demasiado afectuosos em público, e o capítulo “O amor é fodido”, pela uso da linguagem extremamente visual e explícita.

Sem papas na língua, a camionista prossegue a viagem na sua sátira aos casais que criam contas de Facebook comuns e às pessoas “que estão juntas porque não sabem simplesmente estar sozinhas”, ou que mentem discretamente à namorada quando esta lhes pergunta se está mais gorda.

A matarruana que apanhou a boleia da camionista

A ideia de escrever um livro por alturas do Dia dos Namorados surgiu da parte de Fernando Alvim, que conhecia a página da Lady Mustache. A ideia do livro foi avançando e a Nádia e a Lady foram escrevendo, as duas ao mesmo tempo. “Tive alguma dificuldade em separar a Nádia da Lady Mustache. Gostei mesmo de escrever muita coisa que está lá”.

Foi também o humorista Fernando Alvim que juntou o trabalho de Sara Osório (ou Sara-a-dias) ao livro de Nádia. “Costumo dizer que apanhei a boleia da camionista. Juntei o meu lado matarruano ao camionista da Nádia”.

As duas trabalharam à distância, por intermédio de algumas horas de troca de impressões pelo Facebook. Conheceram-se apenas no dia da apresentação do livro, mas nem isso impediu que estivessem em perfeita harmonia no trabalho de edição: “Sabia que ela era muito boa, mas não sabia como ia reagir ao texto. Mas quando vi as ilustrações não mexi em nada, estava perfeito. Estávamos mesmo em sintonia”.

Os desenhos, esses, acompanham com destreza o tipo de linguagem e expõem a nudez e o impacto visual e vão buscar inspiração a pequenos pormenores e as personagens caricaturadas pela Lady Mustache. Encontramos desde um casal na casa de banho, de mãos dadas, até “um traveca do Conde Redondo” ao pé de um cão de loiça, ou um macaco Adriano numa versão striptease.

A ilustradora tinha feito no ano passado um trabalho sobre o dia de São Valentim considera que este livro “põe à prova o amor da actualidade, e pode pôr à prova muitas relações. Acho que é uma forma de repensar uma relação”. Para quem não se identifique com o que está escrito, fica o “humor mordaz e um livro divertido”.

“Muitos pensam que sou um homem”

Nádia usava o seu Facebook pessoal para satirizar momentos triviais da actualidade. O seu espírito crítico e “do contra” leva-a a ser observadora. Por isso, admite que gosta de ver a Casa dos Segredos: “Comparo aquilo ao National Geographic. É um país distante com uma espécie que não conheço e com a qual não lido no meu dia-a-dia”.

Com a insistência dos amigos, criou a página da Lady Mustache, até porque “o camionista teria de sair de alguma forma”. E porque há coisas que fica mal dizer, principalmente a uma senhora. “Muitos seguidores ainda pensam que eu sou um homem”.

Mas não se pense que o livro e a página nascem de alguém chateado ou revoltado com o amor. “Nunca tive assim um grande desgosto de amor. Agora por acaso estou solteira. E tenho um gato, mas não sou uma solteirona psicótica”.

Apesar do jeito para a escrita, Nádia Pinto é directora de arte numa empresa de comunicação com formação em design. E o trabalho é mesmo uma das poucas coisas na vida que leva muito a sério. De resto, “o cliché que diz que a vida é uma, só é cliché... mas é verdade. Acho que as pessoas se levam demasiado a sério. Odeio pessoas aborrecidas. Adoro estar perto de pessoas idiotas, com a sua panca”.

Não foi um livro por isso escrito no tom de quem está chateada com amor. É um “livro idiota” que coloca em perspectiva várias ideias construídas pela sociedade, em que, para sermos felizes, temos obrigatoriamente de “ter companheiro, chegar a certa idade e ser pressionado e casar ou ter um filho”.

Por isso, na opinião da autora, este é o presente ideal no dia dos namorados: “Pelo menos não gastam dinheiro com outras coisas foleiras tipo ursinhos de peluche com corações e rosas.” Mas admite ao mesmo tempo que o amor “é sempre piroso e um bocadinho mentiroso. E tem de ser, é bom que o seja. É mesmo assim”.

Se a Nádia admite ser uma romântica e que “sem o lado da Lady Mustache o livro teria saído um romance”, também a Lady Mustache acaba por ser romântica, muito à sua maneira.

No fim do livro, admite que poderá vir a ser uma das muitas pessoas estúpidas que criticou. Até porque, tal como ela, um dia todos vamos acabar por cair e ser pirosos: “Como dizia a minha avó: 'Há sempre uma tampa para cada panela'. Ainda bem que não fazia a analogia com tupperwares, porque, às vezes, para encontrar a puta da tampa que sirva na caixa, é uma dor de cabeça do caralho.”

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