Mexefest: um T10 sobrelotado na Avenida da Liberdade

É quase mais difícil montar o horário do Mexefest que uma cadeira do IKEA. John Grant ou Glasser. Tropics ou Erlend Øye. Oh Land ou Legendary Tigerman. Parece a cena final do Titanic, em que só há espaço para um se salvar

Rui Pedro Soares
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“Duas noites. Mais de 10 espaços. Mais de 50 artistas”. Imagino uma voz diafragmática a fabular os três slogans a espaços. Os graves pós-operatórios de quem ficou uma década com uma bola de ténis presa na garganta. Imagino uma música de fundo. Nem aquela "zenitude" ambiente de elevador, nem aquele estardalhaço de banda de ecrã de estádio. Pode ser Daughter. Imagino um filtro ciano. Quase cinza. Sem abusar do quente-sépia. Nem tampouco da marca de água. Isto não é um genérico de novela. Daqueles em que uma mulher, começando de costas, se perfila até mostar uma "side-boob", ao compasso de Jardins Proibidos. Não. Fiquemos pela escala de cinzentos. O contraste em matiz esbatido. Um toque de pixelagem no fim. Está pronto. É o "teaser" do Vodafone Mexefest.

Acontece do Marquês aos Restauradores. Numa artéria onde diariamente desfilam megafones contra a crise, desta vez a música é outra. Durante duas noites, hotéis, cinemas, palácios e igrejas metaforizam-se em palco. Até em autocarros haverá concertos. Finalmente. Até aqui, música em transportes públicos só através de "smartphones" a rodar um Anselmo Ralph polifónico no altifalante.

Serão quase 60 artistas distribuídos por mais de 10 espaços. Enquanto os Juba, com um novo disco em mão, mostrarão o seu psicadelismo lo-fi no São Jorge, os escoceses Young Fathers, meia dúzia de portas ao lado, darão o seu hip-hop cosmopolita ao Hotel Florida. A Vodafone tem um mestrado integrado nisto de nos dar cabo da cabeça. Quando não nos obriga a ter de escolher entre carregamentos obrigatórios ou uma assinatura mensal, força-nos a optar entre duas bandas que queríamos mesmo ouvir. É quase mais difícil montar o horário do Mexefest que uma cadeira do IKEA. John Grant ou Glasser. Tropics ou Erlend Øye. Oh Land ou Legendary Tigerman. Parece a cena final do Titanic, em que só há espaço para um se salvar.

A sexta-feira é de Márcia, Savages e Woodkid. Até parece uma anedota. Um português, um inglês e um francês. Os três, à sua escala, justificam uma espreitadela. Estou curioso para ver o encaixe de Márcia com Úria e Zambujo. Mais ainda para absorver o no-wave — que, ironicamente, tem muito de new wave — dos Savages e o quase-pop com que Woodkid nos brindou no seu "Golden Age". No sábado há mais. Teremos Silva a disputar o protagonismo com Erlend Øye, também conhecido como The Whitest Boy Alive. Diz ele, que nunca viu um casal de bifes no Verão em Albufeira. Ao final da noite, há (as pernas de) Oh Land. Domingo é para recordar. No sofá. Pelo menos eu, que ao domingo tenho a produtividade de uma faca de plástico a cortar entrecosto.

Não se esqueçam dos portugueses em cena. Espreitem o "mixtape" de RAC, ele que já brincou com malhas de Phoenix, Yeah Yeah Yeahs e Lana del Rey, e que recentemente lançou novo single com o senhor Kele dos Bloc Party. Os Ciclo Preparatório, com mais membros que muitas escolas da beira interior, os Juba, que perdi no Terraço do Colaço, e Sequin, na calha após o seu mais recente "Beijing", também merecem atenção.





O Mexefest já alugou o seu T10 na Avenida da Liberdade. A herança é pesada. A última vez que a música passou por ali foi no piquenique do Tony Carreira. O convite está feito. É já nos próximos 29 e 30 de Novembro. Cheguem cedo. Se for como nas edições anteriores, o metro quadrado é capaz de estar sobrelotado. A segunda grande promessa é a de que vão ouvir boa música. A primeira é que de certeza que se vão perder dos vossos amigos.



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