Guimarães noc noc, um festival em que cabem todos os artistas

Espaços comerciais constituem a maioria dos 65 locais que recebem obras de vários artistas, numa iniciativa que junta criadores de Guimarães com outros do outro lado do mundo

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A participação no noc noc também é uma arma contra a crise Fernando Veludo/nFactos

A estreita Rua da Tulha faz-se ainda mais apertada quando os transeuntes começam a acumular-se em frente à montra. Do outro lado do vidro, Raquel Costa desenha uma floresta branca que capta a atenção de quem passa. Aquele será o antídoto contra os desenhos demoníacos que compõem a sua exposição no interior da Closet, uma das muitas lojas da cidade que este ano se associaram ao Guimarães noc noc. Na sua terceira edição, o festival de artes é já um dos momentos marcantes do calendário cultural local.

"A ideia de entrar numa galeria de arte intimida as pessoas", avalia Raquel Costa, entusiasta deste género de iniciativas que proporcionam um contacto mais descontraído do público com a arte. Esse foi um dos motivos que levaram esta ilustradora de Braga a estrear-se no evento da cidade vizinha. A sua participação incluiu uma série de desenhos, a que chamou "demónios familiares" e uma ilustração feita ao vivo, na montra da loja.

Durante dois dias, a Closet transforma-se em galeria, mas a arte não é estranha àquela loja. Ali vendem-se discos, moda e também obras de arte, como as serigrafias da Litle Black Spot, a marca de Raquel Costa. "Todo o conceito do espaço tem a ver com a ideia do noc noc", explica Cláudia Ferreira, a proprietária do espaço comercial aberto no início do ano. Mas, não esconde a jovem empresária, esta é também uma oportunidade para tornar a loja mais conhecida, num momento em que a vida do comércio local é de grandes dificuldades.

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As exposições surgiram nos espaços mais inusitados Fernando Veludo/nFactos

A participação no noc noc também é uma arma contra a crise para Ana Oliveira e Leandro Vale, dois vimaranenses que há três meses decidiram abrir uma loja de artesanato e souvenirs no centro histórico. Leandro aproveitou o festival para mostrar o seu trabalho de azulejaria. "É uma oportunidade para dar a conhecer o trabalho e também a loja às pessoas", afirma.

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O interminável mapa do Guimarães noc noc Fernando Veludo/nFactos

Os espaços comerciais são a maioria dos 65 locais que recebem, desde a tarde de ontem, as obras dos artistas que se inscrevem no noc noc. São 240 projectos, da fotografia à pintura, escultura ou vídeo, performance e música. Ao todo, até às 20h00 de hoje, vão passar por Guimarães mais de 400 artistas e milhares de visitantes.

O reforço do interesse dos espaços comerciais na iniciativa retirou algum do relevo que as casas particulares tinham nas primeiras duas edições do festival organizado por um colectivo de artistas locais. Mas, desde o primeiro ano, associações culturais locais como o Convívio ou o Cineclube, cujas sedes ficam separadas por escassos metros, no Largo da Misericórdia, também acolhem muitas das obras apresentadas.

Mais longe do coração da cidade está o Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura (CAAA), uma estrutura cultural, que nasceu ao mesmo tempo que o festival. A abertura do espaço, em 2011, foi marcada para o mesmo fim-de-semana do noc noc e hoje mantém a associação. "Como estrutura cultural faz todo o sentido estar associado a um evento destes", reconhece Ricardo Areias, dirigente daquele espaço.

Durante o fim-de-semana, a antiga fábrica têxtil recebe dez projectos do noc noc e associa também ao festival as exposições da sua programação regular que ontem inauguraram e ficam patentes até ao final do mês. É ali que encontramos a família Ito. Três artistas japoneses, de diferentes idades, mas todos com um percurso sólido nas respectivas áreas no seu país.

Kaori é bailarina e coreógrafa - passou por Guimarães na última edição do festival de dança contemporânea GuiDance - e mostra algumas das suas obras de pintura e vídeo. O seu irmão Chihiro é artista plástico e já tinha estado na cidade no ano passado, no âmbito de uma parceria entre uma fundação japonesa e a Capital Europeia da Cultura. A estes junta-se o pai, Hiroshi, com um passado relevante na land art japonesa, especialmente na década de 1970, mas com pouca expressão na Europa.

No centro da galeria em que Hiroshi Ito apresenta o seu trabalho é particularmente marcante a grande peça escultórica negra no centro da sala. "A escultura serve para criar uma fronteira, mas o que me interessa são as formas que não podem ser vistas e os sons que não podem ser ouvidos", explica. Passou o último mês em residência no CAAA a preparar esta instalação sem título que agora apresenta, seguindo o conselho dos filhos, que elogiaram Portugal e Guimarães. Porque neste festival cabem todos os artistas, dos amadores locais, aos homens que vêm do outro lado do mundo.

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