Os mortos não se erguem dos caixões

A pena de morte é uma solução idiota para a frustração que todos temos por não termos sabido criar uma sociedade plena de valores

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Clay McLachlan/Reuters

O clássico desbocado Larry Flynt deu, há dias, uma lição ao mundo. Trinta e cinco anos depois de ter sido atirado para uma cadeira de rodas após ter sido baleado por um tresloucado, pronunciou-se publicamente sobre a estupidez que é a pena de morte. Pediu ao Estado que, assim como ele próprio já fizera, perdoasse o criminoso que lhe deu dois tiros.


A pena de morte é uma triste falácia. Acha-se que se acaba com o sofrimento do perdedor e que se termina com a injusta dádiva da vida a um indivíduo que a não merece. Tristes enganos. A morte cria heróis, mitifica-os e tira-lhes a dor de viver debaixo do betão da culpa e da perda de liberdades. Além disso, a morte de um culpado não traz de regresso à vida os inocentes que pereceram.


O princípio fundamental que rege a defesa da pena da morte é só um: a vingança. Pura e crua. A vingança de saber que o perpetrador de tamanha causa de sofrimento já não está entre nós. Dá a sensação de assunto resolvido a quem condena apesar de, na maioria dos casos, não devolver a paz aos familiares das vítimas. Pensemos racionalmente: ao condenar alguém à morte, não estaremos, também nós, a cometer o mesmo crime? Ou seremos ilibados apenas pela legitimação da mão do Estado, protegido pelo guarda-chuva da cega Justiça? Não me parece.


Há poucos meses, Michael Portillo, num documentário da chancela da sempre brilhante BBC, procurava encontrar a fórmula para matar, da forma mais humana possível, uma pessoa [sugiro vivamente que busquem no YouTube por “How to Kill a Human Being”]. Encontrou-a. No entanto, esbarrou no factor que move verdadeiramente a utilização da pena capital. “Não queremos que o condenado morra sem sofrimento”, disse-lhe um interlocutor, “uma punição deve ser dolorosa – só essa pode ser a sua motivação”.


Quanto a mim, os crimes não se evitam ou condenam com balas, forcas ou injecções letais. Previnem-se com educação e vigilância passiva, e também com a promoção da tolerância entre diferentes ideais culturais, políticos, sociais e religiosos. Quanto aos comportamentos desviantes, devem ser justamente punidos, como é de esperar. Mas sem nunca esquecer que a pena capital é um engano. E nada resolve, como é óbvio.


A pena de morte é uma solução idiota para a frustração que todos temos por não termos sabido criar uma sociedade plena de valores. É uma ideia puramente emocional que nada resolve: não traz justiça ao mundo, só vingança. E essa vingança não nos torna melhores, não torna a justiça num valor superior pelo qual todos nos devemos (e queremos) reger. A vingança torna-nos iguais ao criminoso. Ou piores.

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