Crescer

Hoje sei que a emigração deveria fazer parte do plano curricular de todos os jovens. Sair da zona de conforto torna-nos pessoas diferentes. Melhores, acredito

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Finbarr O'Reilly/Reuters

Digo-vos assim: emigrei porque quis. Acho que até já o escrevi numa crónica anterior, mas quando decidi sair de Portugal fi-lo por vontade própria, antecipando-me, sem fazer disso ideia, às circunstâncias que, anos mais tarde, se impuseram implacáveis, como a realidade costuma ser.


Não há grande poesia na história. Tenho uma curiosidade imensa pelo novo e sempre adivinhei que o meu futuro passaria por uma experiência além-fronteiras. Não aproveitei, sequer, a primeira oportunidade, apenas aquela que apareceu na altura certa.
Combinou-se o aborrecimento da rotina de três trabalhos em simultâneo, com a sensação de que por mais que continuasse a dedicar quinze horas diárias à causa, os anos passariam sem que saísse do mesmo lugar.

Não fugi. Ou talvez tenha fugido mesmo. De um país sem futuro, de uma classe política demasiado má, da total ausência de perspectivas. Emigrei antes do fim da linha. Poupei aos meus pais a mágoa de verem o filho partir porque Portugal não o quis para nada. Nestes cinco anos cresci como homem e enquanto profissional. Fui respeitado e o meu trabalho valorizado. Parte disto foi uma novidade para mim. Tive momentos, claro, em que quis desistir. Trabalhar com poucos recursos exige o melhor de nós mesmos e, às vezes, nem isso chega. Acabei sempre por ficar.


O que consegui não está no extracto bancário — por favor, esqueçam a ideia de que os emigrantes são todos do tipo endinheirado — que continua magro e muito elástico, como sempre. Não há-de ter sido também o Starlet de 1986 que conduzo. Ou o T1 onde moro e cujo bem mais valioso que guardo nele é o sofá que comprei depois de um ano a economizar.

O que conquistei, não só mas principalmente, foi o continuar a fazer aquilo de que gosto e que, com todas as imperfeições, ainda é o que de melhor faço.


Angola e Cabo Verde não me ofereceram nada além da oportunidade (e isso faz toda a diferença, claro). Tudo o que consegui foi por dedicação, a mesma que sempre tive quando estava em Portugal. Continuo a não olhar para o relógio ao final do dia, nem a reclamar quando passo semanas seguidas sem uma folga. Não me esqueço que tudo, até o meu emprego e o querer estar, é volátil. Peço simplesmente que me respeitem, que me levem a sério, que me tratem com a dignidade que um ser humano merece.


Fazermo-nos adultos na diferença, na experiência de ser minoria (pela cor da pele e condição de estrangeiro), torna-nos mais susceptíveis às injustiças de cá e de lá. Estamos na pele dos outros, daqueles que no nosso país se sentem em casa, mas a quem nunca deixamos de recordar que são de fora.


Esta coisa de estar “para fora” abre-nos a cabeça para um mundo que é diferente. Não somos todos iguais, não vivemos todos da mesma maneira. E é na diversidade que está a maior maravilha da humanidade.


Hoje sei que a emigração deveria fazer parte do plano curricular de todos os jovens. Sair da zona de conforto torna-nos pessoas diferentes. Melhores, acredito.

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