Demasiado tarde

A distância pode servir para duas coisas: manter-nos inquietos, se sabemos que alguma coisa não está bem, ou deixar-nos na ignorância

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Bobby Yip/Reuters

Tinha na ideia telefonar-lhe por esses dias. Cheguei a pegar no telemóvel para o fazer. Procurei na agenda, encontrei o número e, no momento final, desisti. Repeti o gesto vezes sem conta. Sabia que do outro lado estariam más notícias, ainda que disfarçadas por um alento construído com o propósito de me tranquilizar.

A distância pode servir para duas coisas: manter-nos inquietos, se sabemos que alguma coisa não está bem, ou deixar-nos na ignorância. Sou do tipo “não me contes até que seja definitivo” e embora elabore na minha mente planos catastrofistas – e esteja até bastante certo do que vai acontecer – conservo em mim um eterno optimismo, de quem acha que tudo tem solução, até deixar de ter. Por isso, quando, numa manhã antecipada pelo fuso horário, o telefone tocou, soube, antes mesmo de o atender, que o que se passava era a realidade a impor-se, implacável como sempre.

Não gosto de despedidas e só com esforço aceito o definitivo que há no fim das coisas. Mas o irreversível é um instante demasiado longo para que seja vivido sem o arrependimento pelas vezes em que o dedo escapou da tecla verde. Nada se compara à dor de um adeus absoluto. O tempo, voraz, passa sem pedir licença. E nós, insignificantes perante a sua prepotência, deixamos fugir o que nos resta com as pessoas que mais queremos.

O “tarde de mais” é um exercício de resistência para quem fica. E quando o que resta é o silêncio do lugar vazio, nesse momento, desaparecem as certezas. Se estamos longe, achamos que as coisas vão passar, que o cosmos cuidará de restituir ordem ao nosso universo. Aprendi com a idade, e com os erros que cometi (e têm sido tantos), que evitar assuntos difíceis só adia a resolução dos problemas. Num lugar-comum, não é por ignorarmos que o mundo gira, que o mundo deixa de girar.

A “condição: emigrante” tem na partida de alguém que amamos o seu lado mais negro. É nessas alturas que pomos em causa as opções que tomamos. Lembro-me de, em 2010, no voo que me levou de regresso a casa, atrasado por uma nuvem de cinzas vulcânicas, carregar comigo o negro do luto e a urgência de agarrar o prazo que nos é dado. Custou-me mais, ainda assim, e dias depois, reembarcar com destino às ilhas. O que mais vamos perder? Que últimas oportunidades deixaremos escapar? É pesada a sina que nos mantém longe de quem desejamos perto. É amargo o sabor da última vez que ficará por ser.

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