De Havana com esperança

Havana é como se lê e se imagina: um caldo cultural, uma mão que pede dinheiro, uma bicicleta velha que serve de táxi, "són", salsa e merengue em cada canto, um sol tropical, duas moedas, mil carros antigos coloridos

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Enrique de la Osa/Reuters

A capital do pais de Castro, dos mojitos, dos charutos, do rum e de tantas coisas mais, tem um encanto que confunde e confrange. De um lado, os edifícios coloniais de Havana Vieja – casco histórico declarado património cultural da humanidade em 1982– e, do outro, as habitações decadentes, a pobreza escancarada, a miséria de quem vai sobrevivendo.

Havana é como se lê e se imagina: um caldo cultural, uma mão que pede dinheiro, uma bicicleta velha que serve de táxi, "són", salsa e merengue em cada canto, um sol tropical, duas moedas, mil carros antigos coloridos.

Nas quase dez horas de voo entre Madrid e Havana aproveitei para ler o guia "American Express" que me haviam oferecido. Às páginas tantas retive qualquer coisa como: “Atenção às gorjetas que deixa. Podem representar o salário de um mês de um cubano”.

O salário médio de um cubano oscila entre os 100 e os 200 pesos cubanos (entre quatro a sete euros). Um CUC, peso cubano conversível exclusivo para turistas, corresponde a 24 pesos cubanos.

Talvez por isso tenha achado legítimo ver todos aqueles homens colados ao vidro do “shuttle” que nos levava do hotel ao centro da cidade a oferecer os seus préstimos.

- Habla inglês? Speak english? Parlez français?

Provavelmente, e de forma inconsciente, também devo ter considerado natural existirem “jineteros”. Dani e Beti, apresentaram-se eles, abordaram-nos à saída do La Floridita – o famoso bar onde Hemingway bebia daiquíris. Nós só queríamos saber qual era o banco mais próximo para trocar dinheiro.

- Venid conmigo!

Levaram-nos a um restaurante, a uma farmácia (a mais antiga, disseram), tiraram fotografias e, vários minutos depois, eis o banco.

- Gracias! - ao mesmo tempo em que tirámos do bolso alguns CUC para lhes dar.

- No! No queremos dinero. Solamente la troca cultural.

Esperaram por nós à saída do banco como “guias turísticos” sedentos de nos mostrar a cidade. Seguiu-se o Capitólio, Gran Teatro de La Habana, Hotel Inglaterra e Partagás e, no final, após rejeitarmos uma caixa de “Cohibas” e outra de “Romeu y Julieta” com a desculpa de que não fumávamos, pediram dinheiro para uma “senha de racionamento”. O Dani era muito magro e a proposta pareceu-nos sensata.

- Claro. Quanto custa a senha?

- 15 CUC.

- 15 CUC? Tanto? – perguntámos nós em uníssono.

- Sí, sí, pueden venir con nosotros para ver.

- Não, está bem. Aqui estão os 15 CUC (da suposta “troca cultural”).

15 CUC era, na verdade, o equivalente a um mês e meio de trabalho. E tal como aquele casal, outros se seguiram. Ou vendiam charutos, ou rum, ou voltas (“recogidos”) nos seus Cadillac bem estimados, para não dizer dignos de museu.

De um modo geral, os cubanos são extrovertidos, conversadores e sociáveis, pelo que às vezes se tornava difícil dissociar os que eram genuinamente amáveis dos restantes.

Porém, o que mais nos incomodava estava longe de ser isso. A revolução de 1959, que libertou Cuba da ditadura de Batista, não parece ter libertado o povo da pobreza há muito enraizada. Curiosamente, apesar do sofrimento, os nativos pareceram-nos alegres. Era uma espécie de dor com laivos de esperança. E a música que nos entrava pelos tímpanos sem pedir licença foi, sem dúvida, a melhor prova disso.

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