E agora que perdi o sapato?

Com mil diabos, perdi o sapato, deitei o outro fora e fui encontrar um par que me leva ao único sítio que faz sentido ir enquanto habitantes da Terra: à Lua

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Perdi o sapato. Com mil diabos, que eu perdi o sapato. Uma mulher mantém-se anos a fios equilibrada e segura num par de sapatos e, num piscar de olhos, perde um sapato.

O mundo a fugir-nos dos pés porque afinal o príncipe que não chegou montado no cavalo branco mas que se adivinhou o tal, não era, como sempre, o que parecia. A sensação é exactamente a mesma de quando se perde um sapato. E eu perdi um sapato, caramba. Num dia fazem-se planos para o futuro e no dia a seguir o plano é não fazer plano algum. E amanhã sei lá. Sei lá se o sapato aparece. Sei lá se não só não aparece o sapato como deito o outro fora numa tentativa fugaz de esquecer que aquele par existiu. E amanhã sei lá se não aparece um par que me deslumbre, me encante e me sirva na perfeição. E pois que amanhã posso muito bem encontrar um par que me complete, preencha e me faça querer calçá-lo durante tempo indeterminado. Hoje perdi o sapato, mas amanhã sei lá se uma força superior qualquer não me envia um par novinho em folha capaz de me enternecer a alma e me fazer abrir horizontes. Afinal o mundo não se resumia aquele par de sapatos. Afinal há mais para além daqui. Tu é que, armada em Cinderela do novo século, te convenceste que irias viver com ele nos pés a vida toda. E não só viver com ele nos pés, mas viver-lhe aos pés. Um mal nunca vem só.

Felizmente o destino volta e meia prega das suas. A vida tira-nos para dançar sem nos perguntar se queremos. E é quando encontramos outro par de sapatos, que se revela a cada meia noite bastante melhor que o par anterior. E eis que há mais no mundo para ver, descobrir e sentir. E eis que és Cinderela com um par de sapatos novinho em folha, que te deixa não só confortável, mas confiante. Mulher. Completa. Radiante. Que não passa despercebida de tanto brilho que irradia. E eis que a vida te puxou para dançar. Tirou-te o chão dos pés por momentos para te colocar num pedestal mais seguro e digno do teu pé. E eis que agradeces à vida pelas partidas que te faz. E eis que olhas para trás e a única coisa que vês é uma gata borralheira refém de um par de sapatos que calçou mal, te magoou e fez joanetes.

Com mil diabos, perdi o sapato, deitei o outro fora e fui encontrar um par que me leva ao único sítio que faz sentido ir enquanto habitantes da Terra: à Lua. Sendo que não tens de voltar à meia noite porque a tua magia se prolonga no tempo e no espaço. Não fosse o novo par de sapatos fazer milagres no teu pé tamanho trinta e seis.

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