É quase isso: "Get Lucky" em "estrangeiro"

Na versão "mariachi" de “Get Lucky”, da autoria dos "Sangre Azteca", destacam-se o brilhantismo dos intérpretes e o simbolismo: cinco mexicanos num estúdio de rádio dão-nos breves notas sobre quase tudo

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squeakychu/Flickr

A leitura deste texto tem dois pré-requisitos: o leitor deve possuir internet e terá de ver este vídeo.

 

Sobre esta versão de “Get Lucky”, dos Daft Punk, há muito a dizer. Para além do notório brilhantismo dos intérpretes, destaca-se o simbolismo: cinco mexicanos num estúdio de rádio dão-nos breves notas sobre quase tudo. Vou, por isso, fazer um pouco de Pacheco Pereira e tentar fazer observações de longo alcance. Como se diz em “estrangeiro”, “see the big picture”. 

 

Existe sempre a possibilidade de este texto ser constituído por traços de palermice compulsiva. Vocês escolhem entre ler ou não, e isso é democrático.

 

Para começar, temos a 2394083249010.ª versão desta música. Muda-se isto e aquilo, mas tudo fica na mesma. Espera-se algo novo, mas é sempre a “Get Lucky”. A metáfora perfeita para as remodelações do nosso Governo.

 

Esta versão é, também, bem mais curta do que o original, eliminando preciosismos e cingindo-se ao “sumo” da questão. O que me faz pensar que os “Sangre Azteca” seriam ideais para escreverem os discursos do Presidente da República. E para fazerem as primeiras partes das suas intervenções.

 

Pensando melhor, as intervenções do Presidente é que deveriam fazer as primeiras partes dos mexicanos.

 

Depois há a questão do “inglês”: excluindo Jorge Jesus a falar português, não se via ninguém a tratar tão mal uma língua estrangeira desde que António José Seguro discursou em francês. Com a vantagem de que, neste caso, sabemos o que estão a dizer os mexicanos.

 

As vozes robotizadas dos Daft Punk não são para aqui chamadas: os “Sangre Azteca” cantam mal e têm orgulho nisso. Se ninguém se lembrou de robotizar a voz de Nel Monteiro, não há motivo para fazer o mesmo com estes mexicanos. Essa prática já é suficientemente utilizada na música “mainstream”, para que esta se tenha tornado num videojogo. Dos foleiros. E sem comando. 

 

No que toca à indumentária, os autores desta versão não recorrem aos famosos capacetes dos Daft Punk. O que é bem positivo: sempre podemos ver os rostos dos artistas, o que confere autenticidade ao momento. Para ocultar alguma coisa, num espectáculo de música, já bastam os fios de nylon que seguram Jorge Palma ou Mick Jagger, em palco.

 

E legendas, como as usadas neste vídeo, poderiam ser úteis em alguns concertos de hip-hop: não que não gostemos do “beat”, mas é só para o caso de estarmos a ser insultados, sem o percebermos. Nem todos podemos ser “malta da cena”.

 

Podíamos continuar a retirar significados ocultos deste vídeo, um pouco à semelhança do que Rui Santos faz com o futebol. Mas fá-lo-íamos em bom, o que é sempre de registar. E aproveito, uma vez que estou com problemas na conta de correio electrónico, para enviar uma pergunta ao Rui Santos, que cumprimento, desde já: no 4x3x3, qual a importância do vértice recuado do meio-campo "tupperware" na transição ofensiva de rebarbadeira em posse?

 

("Tupperware" e "rebarbadeira" foram um desafio: à semelhança dos neo-especialistas em futebol, consegui colocar duas palavras ali no meio que não têm nada a ver com o tema.)

 

No fundo, estou grato aos “Sangre Azteca”. Produziram uma extraordinária versão de “Get Lucky”. Sem saberem falar inglês, sem grandes dotes vocais, mas com o melhor ritmo “mariachi”. Já tinham feito maravilhas com “Gangnam Style”.

  

Gosto de pensar que deveria haver uma versão “mariachi” de todas as músicas do mundo. Até das que já são “mariachi”. Os UB40 fazem isso há décadas: mau “reggae” a partir de “reggae”. Se eles podem…

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