É quase isso: as televisões deviam ser aquários

Hoje, tendo em conta a qualidade da televisão, uma reunião de família tem duas hipóteses: a TV desligada ou uma garrafa de vinho maduro. Uma bebedeira diante dos pais é deprimente. Mas, se nos salvar do “Splash”, pode ser um “mal” necessário

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The Library of Virginia/Flickr

Enquanto escrevo, tenho a televisão desligada. Para além da ausência de ruído, há um bom prenúncio: vou escrever sobre televisão. Mas sem a parte do interesse.

 

Excluamos os canais de cabo, que nos mostram como se pesca um atum de 400 quilos, como se atravessa, num camião, um lago gelado (por cima do lago; por baixo, também eu…), como se faz uma mota ou o que comem os escaravelhos (tirando os que se alimentam de cocó).

 

Concentremo-nos na televisão generalista, que verdadeiramente me preocupa. Não porque o José Figueiras exista, ou porque o Cláudio Ramos lhe siga o exemplo. Preocupa-me que os programas, ao fim-de-semana, possam reflectir o que o público quer ver. Se o público quer ver aquilo, então a injecção letal pode ser uma boa saída para quem não aceita essa ideia.

 

A televisão começou por ser uma coisa para ricos. Hoje, é só para pessoas com poucas opções. Antigamente, a televisão era uma “cena” de família: toda a gente se reunia para ver o festival da canção ou os jogos sem fronteiras. Hoje, tendo em conta a qualidade da programação, parece muito mais interessante aquela história do avô, de quando ele venceu, em 1955, o torneio de berlinde da escola. Hoje, tendo em conta a qualidade da televisão, uma reunião de família tem duas hipóteses: a TV desligada ou uma garrafa de vinho maduro. Uma bebedeira diante dos pais é deprimente. Mas, se nos salvar do “Splash”, pode ser um “mal” necessário.

 

Nos cafés, felizmente, tudo ficou na mesma: vê-se futebol. Comparadas com os programas da moda, as declarações dos jogadores ganham contornos poéticos. Um treinador a falar em “transições ofensivas” parece algo científico. Um “penalty” parece um acontecimento metafísico. E, se não há futebol, é possível continuar a falar de gajas: da “vida real”, da novela ou dos “reality shows”. Um par de mamas é um par de mamas. Em qualquer canal.

 

A televisão já foi chamada de “caixinha mágica”. Hoje, é mais uma caixa negra. Havia, no entanto, uma possibilidade de ser uma “caixinha útil”: se fosse possível guardar, lá dentro, para todo o sempre (“tipo, bué tempo”), algumas das figuras que lá aparecem.

 

Tirando o Fernando Mendes, que nem é dos piores. E, mesmo que o fosse, não caberia na caixinha.

 

Ao mesmo tempo, a televisão já não é mágica: os cogumelos podem desempenhar essa função, com vantagem. Quando certos programas vão para o ar, a magia da televisão está no botão que a desliga.

 

Sobra a publicidade, como bastião da inteligência e criatividade da televisão generalista. Todos já criticamos a música do anúncio do Pingo Doce. O tempo encarregou-se de nos mostrar que, afinal, não era assim tão má.

 

Para além dos canais de cabo, existe sempre a possibilidade de procurar e “pedir emprestados”, através da Internet, os melhores filmes, documentários e séries. Para aqueles que pensam que me refiro a pornografia, fica uma mensagem: seus ordinários!

 

Já agora, senhores fiscais, se estão a ler este texto, duas coisas: eu não faço, nunca fiz e nunca farei “downloads” ilegais; deviam estar a apanhar os bandidos todos, em vez de lerem os meus textos.

 

Quem quer dar uma nova vida à televisão, pensa sempre em fazer dela um aquário. Mas os peixes já não aceitam essa ideia com facilidade: não querem estar no mesmo sítio que a Júlia Pinheiro. Da minha parte, acrescento que, aquário por aquário, prefiro um que tenha lagostas.

 

Agora vou embora. Vai começar um programa com as festas de “não sei onde”. Preciso, urgentemente, de vinho maduro.

 

P.S.: Há uma anedota antiga em que um tipo diz ao amigo que comprou um vídeo, com o dinheiro da venda da televisão. Tão actual…

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