“À Beira do Abismo” (“The Big Sleep”), de Howard Hawks (1946)

Num filme, a história interessa mais, mas nem por isso esta, de que aqui nos ocupamos, consegue tornar-se mais lógica

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Sendo este o primeiro Howard Hawks das apresentações que fizemos até à data, nada mais natural do que chamar a atenção para o conjunto da obra do realizador, onde poderemos encontrar outras boas razões para investigação e deleite, seja em “westerns” como “Red River” (1948) ou “Rio Bravo” (1959), comédias como “His Girl Friday” (1943), “Monkey Business” (1952) ou “Gentlemen Prefer Blondes” (1953) ou esse outro filme negro “To Have and Have Not” (1944), com o mesmo Humphrey Bogart e a mesma Lauren Bacall que protagonizam “The Big Sleep”.

Esta pequena amostra, a que não deve faltar “Sergeant York” (1941), com Gary Cooper, alertará suficientemente o espectador para a versatilidade do realizador, evocadora das de William Wyler ou de Billy Wilder, com as quais, por esta altura, já estamos um pouco familiarizados. No entanto, antes de ser Howard Hawks ou Humphrey Bogart, “The Big Sleep” é em primeiríssimo lugar, Raymond Chandler, um autor norte-americano de contos policiais entusiasticamente admirados no mundo inteiro.

Tendo, como leitor, descoberto nas versões originais dos seus livros uma admirável forma de escrever completamente escondida nas traduções rudes das colecções Escaravelho de Ouro ou Vampiro, sempre se me pôs a dúvida de como iria um realizador de cinema contrabalançar a falta primordial das descrições frescas e espirituosas de Chandler, assim como dos seus comentários na primeira pessoa.

Ora um filme, a não ser que tenha um narrador (o que o enfraquece e condiciona), tem de descartar tudo isso e viver da história e dos diálogos. No caso do romance “The Big Sleep”, com todos os doces da prosa de Chandler, quem quer saber da história? Aliás, a primeira pergunta é: quem consegue perceber a história? E a segunda: o que é que isso interessa, atendendo a que tem muito mais do que isso?

Num filme, a história interessa mais, mas nem por isso esta, de que aqui nos ocupamos, consegue tornar-se mais lógica. Certamente por isso, fizeram um tratamento do argumento com ênfase nos diálogos, onde a originalidade de Chandler, ou o espírito da sua originalidade, pudesse ser embutida. Para isso contaram com um argumento trabalhado por Jules Furthman (“Mutiny on the Bounty”, “To Have and Have Not”, “Rio Bravo”), Leigh Brackett (“Rio Bravo”, “The Empire Strikes Back”) e pelo romancista William Faulkner, autor de “O Som e a Fúria” e Prémio Nobel de Literatura de 1949.

Este argumento, a direcção de actores de Howard Hawks, a direcção de fotografia de Sidney Hickox e o desempenho de Humphrey Bogart, o melhor intérprete do detective Philip Marlowe (basta comparar com o “segundo melhor”, Dick Powell, em “Murder, My Sweet”, de Edward Dmytryk, de 1944), explicam o valor desta longa-metragem como obra autónoma, e como um dos filmes negros dignos de figurarem na nossa selecção.

Além da música de Max Steiner, é justo nomear igualmente os responsáveis pela direcção artística, Carl Jules Weyl e Max Parker, e pela cenografia, Fred M. MacLean, numa longa-metragem totalmente rodada em estúdio, como é fácil de verificar. Tal como o tal ambiente fascinante que define o filme negro.

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