Rui Rio e o descomprometimento democrático

Trocar a democracia por uma tecnocracia não é, nem nunca pode ser, a solução para desconfortos ou embrulhadas partidárias

Nelson Garrido
Fotogaleria
Nelson Garrido
Adriano Miranda
Fotogaleria
Adriano Miranda

No passado sábado, Rui Rio transmitiu ao país o que poderá ser considerada como a ideia mais “peregrina” dos últimos anos: “Quando uma câmara está excessivamente endividada, quem vier depois a ganhar eleições não tem margem para tomar qualquer decisão política. As câmaras endividadas não deviam ter eleições, mas sim uma comissão administrativa para a gestão corrente, até estarem equilibradas.”

A declaração foi feita na 2.ª Universidade do Poder Local, em Aveiro, organizada pelo PSD; no entanto, e passados praticamente três dias, ainda não se percebeu muito bem se a proposta de Rui Rio foi feita porque não vai candidatar-se a mais nenhuma autarquia, porque já está a pensar nos dias seguintes à sua saída da Câmara do Porto, ou porque se esqueceu do que está escrito na Constituição da República Portuguesa (CRP).

Pois é. É que mesmo com a troika em Portugal, o artigo 10.º da CRP ainda vigora, e aí se diz claramente que “[o] povo exerce o poder político através do sufrágio universal, igual, directo, secreto e periódico, do referendo e das demais formas previstas na Constituição.” Por isso, até que a CRP seja alterada, com Câmaras endividadas ou em superavit, assiste aos Portugueses elegerem quem os governe. Bem ou mal, podem escolher. E não há razões que permitam limitar este direito constitucional.

Mas suponhamos (e, felizmente, este raciocínio ainda é meramente teórico) que a proposta tinha acolhimento legal: quem nomearia essa “comissão administrativa”? Com o mandato conferido por quem? Com que legitimidade democrática? E por quanto tempo exerceria essa nobre função de gerir os dinheiros públicos e equilibrar as contas? E quem controlaria a sua actividade? Os eleitores, esses, teriam direito a pronunciar-se sobre a dita comissão? E se não aprovassem o trabalho da comissão, nomeava-se outra comissão? E assim sucessivamente?

Este ligeiro “desvio” de pensamento democrático de Rui Rio recolheu, naturalmente e de imediato, a mais veemente e explícita rejeição, quer de autarcas, quer de outros responsáveis políticos do PSD – já para não falar de outros quadrantes políticos. Rui Rio pode defender-se com o argumento de o PSD não deve apoiar (nas próximas eleições) os autarcas “laranja” que endividaram as respectivas Câmaras. “Vai o partido ter essa coerência ou dizer que só os do PS é que geriram mal?” Pergunta justa e corajosa, saliente-se.

Mas gerir essa questão é um problema do PSD e dos outros partidos políticos com autarcas eleitos, não dos portugueses. Trocar a democracia (o pior dos sistemas com excepção de todos os outros, como disse Winston Churchill) por uma tecnocracia não é, nem nunca pode ser, a solução para desconfortos ou embrulhadas partidárias. Os Portugueses têm a maturidade cívica e política suficiente para saber distinguir os “bons” dos “maus”. E esta não é, seguramente, a melhor forma de chamar os cidadãos à participação activa nos destinos de Portugal…

Sugerir correcção
Comentar