Elogio da civilização: vivamos no campo, nos montes, na floresta

Paremos de trabalhar, servir como robôs escravizados a máquina do dinheiro e dos interesses instalados!

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Frank Wuestefeld/Flickr

“Deixemos os medicamentos de lado (ó logro das farmacêuticas), usemos as ervas, as plantas e as mãos… Deixemos as cidades, esses locais poluídos, entupidos, stressantes e depressivos.

Vivamos no campo, nos montes, na floresta. Façamos os partos em casa, no conforto do lar, com parteiras doudas a acompanhar! Abandonemos os carros, as motas, os aviões (e todas as máquinas assassinas da natureza) e desloquemo-nos a pé para todo o lado. Deixemos as escolas e as universidades (ó instituições obtusas e manipuladoras) e aprendamos em casa escutando a sabedoria milenar das nossas mães e avós…

Paremos de trabalhar, servir como robôs escravizados a máquina do dinheiro e dos interesses instalados! Cultivemos a nossa horta e comamos o que produzimos. Enfim, liberemo-nos, finalmente, da opressão da Civilização! Façamos tudo isto, já, agora, todos juntos! Depois, paremos, respiremos e sintamos… Ah! como é bela a Idade Média! Morramos com uma infecção nos dentes, morramos jovens e doentes! Deixemos as mães e as crianças morrer no parto, que a Natureza sabe o que faz… Vivamos com o frio e com o calor em casas de palha ou de pedra, para sempre confinados nas nossas aldeias.

Aprendamos os dialectos locais e preguemos à Mãe Natureza! E deixemos que a morte faça a selecção (dos que ficam e dos que vão). Vivamos assim, para sempre, em total harmonia e alegria!” Carta dos apóstolos da “Nova Era” aos parvos.

Ó gente da minha terra… Olhem para a realidade e leiam a história. Não reneguem os factos e não desrespeitem quem vos ajudou. Enquanto pregadores demagogos e falaciosos estão a espalhar a palavra holística, espiritual e oculta (há quem lhe chame “nova era”) milhares de seres humanos estão a trabalhar e a pensar para que a sociedade continue a funcionar, para que a civilização continue a operar.

 Cientistas e engenheiros, médicos e operários, pedreiros e carpinteiros, camionistas e carteiros, todos labutam para que possamos tomar um analgésico quando temos uma dor de dentes, para que sintamos o conforto do lar quando lá fora está a trovejar, para que possamos viajar e conhecer outros lugares, para que possamos comunicar a partir de qualquer lugar. Respeitem esse trabalho intenso, reflectido e criterioso.

É por causa dele que neste momento somos tantos (seres humanos no mundo) e que vivemos tanto tempo! Não creiam nos papagaios da ilusão e da falsidade. Tenhamos orgulho nas nossas conquistas, nas nossas cidades, na nossa civilização! E por cá, lembrem-se de como Portugal se modernizou e passou de um país rural e subdesenvolvido para um país do primeiro mundo.

Respeitem os nossos médicos, e os nossos hospitais, por terem posto Portugal como um dos países com mais baixa taxa de mortalidade infantil do mundo e com uma elevada esperança média de vida. Respeitem as nossas escolas e universidades que têm instruído um povo antes analfabeto.

Respeitem as nossas cidades, as nossas estradas e o nosso betão que, apesar de por vezes exagerado, é também a causa de um Portugal mais coeso e confortável. Sejamos capazes de criticar a civilização e forçar a sua contínua renovação. Mas não reneguemos a sua dádiva de vida e conforto, de saúde, paz e educação.

E rejeitemos, liminarmente, os supostos paraísos perdidos, que mais não são que ilusões perigosas que só os incautos perseguirão.

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