Palmilha Dentada, a coragem de um general e o medo da fome

Humberto Delgado inspirou o Teatro da Palmilha Dentada numa meditação sobre os medos de hoje: os de sempre

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Paulo Pimenta

Do Portugal amordaçado pela ditadura ao país dominado pelo pânico da crise: a mais recente produção do Teatro da Palmilha Dentada, "O Medo que o General Não Tinha", que está em cena no Teatro Helena Sá e Costa, no Porto, parte da personagem histórica do general Humberto Delgado e do medo que dominava a sociedade portuguesa durante o Estado Novo para chegar às angústias que tolhem hoje os portugueses.

Do cruzamento de documentos históricos, testemunhos de resistentes antifascistas e trechos ficcionados, escritos por Ricardo Alves, o director da companhia que assegura também a encenação, e pelo actor Rodrigo Santos, nasceu um monólogo em que o actor vai incorporando várias personagens que dão voz a um Portugal que continua a viver dominado pelo medo económico.

Estruturado sobre dois eixos narrativos, o espectáculo percorre a realidade anterior à Revolução de Abril numa linha interrompida pela narrativa mais livre da voz de uma personagem que espelha a actualidade. “ [Essa personagem] atravessa toda a peça e vai falando dos seus anseios actuais, da sua revolta e dos seus medos, que ilustram o medo que se vive hoje em dia”, diz Ricardo Alves.

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No paralelismo entre o medo do passado e os constrangimentos do presente, o director da companhia confessa que o medo que o general não tinha, que advinha, “provavelmente, da estabilidade financeira” que ele possuía, é o mesmo medo que se vive na actualidade: “O nosso maior medo continua a ser a nossa grilheta económica. Temos medo da fome.”

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Um espectáculo inconformista

À semelhança de outras criações do grupo, pretende-se lançar uma discussão sobre problemas actuais de cidadania e formas de intervenção na sociedade. “O Teatro da Palmilha Dentada não é um grupo de entretenimento, é um grupo de reflexão política. Faço espectáculos não pelo belo, mas para partilhar histórias e porque gosto de inquietar o público. Eu e os actores partilhamos essa necessidade de ser incómodos”, nota o director da companhia.

Mas ao contrário da generalidade dos espectáculos da companhia, com uma forte componente humorística, "O Medo que o General Não Tinha" encerra um humor contido, “até indigesto, pelas memórias que traz”, para despertar nos espectadores um sentimento de inconformismo, explica ainda Ricardo Alves.

A peça fica em cena até 6 de Maio, de terça a domingo, às 22h46, e é antecedida, em sessão dupla, pela produção anterior da companhia, "O Guardião do Rio", com texto e encenação de Ricardo Alves.

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