Mandar à merda o pai e ficar em casa

Duas mudanças merecem ser destacadas: a desestandardização das sequências e a re-emergência da família extensa

Fernando Veludo/nFactos
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Se analisarmos o conhecido poema de Jacques Prévert, “Familiale”, publicado originalmente em 1945, encontramos todos os traços da família tradicional:

"A mãe faz tricot

O filho faz a guerra

A mãe acha tudo isso natural

E o pai ? O que faz o pai?

Faz negócios

(…)

E o que pensa sobre isso o filho?

O filho nada pensa.”

Em suma: uma radical divisão de tarefas entre géneros com subalternização da mulher e dos filhos (à mulher o papel expressivo, de educação dos filhos e de apresentação/representação simbólica do agregado, pelo lado do consumo, ao homem o trabalho no exterior, pelo lado da produção e a direcção autoritária do grupo). Não por acaso já Aristóteles opunha a esfera familiar (privada) à cidade (pública), uma vez que, na primeira, o poderio do pater famílias era absoluto.

As famílias, em geral, não mais seguem este padrão e as portuguesas não constituem excepção. E se uso o plural – famílias - faço-o intencionalmente, uma vez que não existe apenas um modelo normativo. Na verdade, para além da família tradicional, que ainda persiste, encontramos, em abundância, famílias de dupla carreira (com distribuição mais ou menos igualitária das tarefas e papéis), bem como famílias recompostas (resultantes de um re-casamento, após divórcio); famílias monoparentais (geralmente mãe e filhos); famílias de orientação LGBT e famílias informais (associadas às uniões de facto).

Duas mudanças estruturais merecem ser destacadas: por um lado, a desestandardização das sequências (sair de casa dos pais, ter um emprego, arranjar casa própria, casar, ter filhos), com uma clara dissociação entre a conjugalidade, a sexualidade e a procriação, sinal do enfraquecimento de ditames religiosos e comunitários; por outro, a re-emergência da família extensa, com coabitação de várias gerações.

Deter-me-ei neste último ponto. Actualmente, por imperativo das debilidades sócio-económicos, avós, pais e filhos partilham casa e recursos. Uma vez que as jovens gerações são tendencialmente mais expostas ao desemprego e à precariedade, tendem a usufruir do sustento do salário dos pais e da pensão dos avós. Há quem lhe chame a “família providencial”, por substituição às funções do Estado-providência”, em franco declínio. Neste contexto, mais vale “engolir” o conflito de gerações e promover conciliações…Como dizia um antigo professor de Sociologia, “no meu tempo, os filhos mandavam o pai à merda e saíam de casa. Hoje, mandam-no à merda e ficam em casa”. Sinal dos tempos.

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