Academia Sueca nomeia secretário interino para substituir Sara Danius

Anders Olsson preenche o lugar deixado vago pela demissão da secretária permanente. É a tentativa de ultrapassar a crise motivada por um escândalo de contornos sexuais, que vem afectando a imagem da Fundação Nobel.

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Sara Darius deixou o lugar de secretária permanente da Academia Sueca LUSA/JONAS EKSTROMER

A Academia Sueca, que anualmente atribui o Prémio Nobel da Literatura, decidiu esta sexta-feira nomear o seu presidente, Anders Olsson, como “secretário permanente interino” numa tentativa de ultrapassar a crise provocada pela demissão, anunciada na quinta-feira, de Sara Danius do cargo de secretária permanente da instituição.

Danius, professora de Literatura da Universidade de Estocolmo, e que em 2015 se tornara a primeira mulher a ocupar o posto de secretária permanente da academia – a quem compete o anúncio dos distinguidos com o maior prémio mundial neste domínio –, decidiu abandonar o lugar na sequência da polémica provocada pela forma como a instituição lidou com alegados casos de assédio sexual praticados pelo marido de um dos seus membros.

Katarina Frostenson, escritora sueca e membro da academia, tinha já também deixado o seu lugar – as nomeações têm carácter vitalício – na sequência da acusação de que o seu marido, o dramaturgo e fotógrafo francês Jean-Claude Arnault, praticara actos de assédio e de violência sexual sobre 18 mulheres.

Na semana passada, três outros membros da academia – Peter Englund, antecessor de Danius no cargo de secretário permamente, Klas Ostergren e Kjell Espmark – anunciaram igualmente o abandono dos seus cargos em sinal de protesto pela forma como a instituição estava a gerir o caso.

“Esta situação já está a afectar bastante o Prémio Nobel, o que é um grande problema. Era desejo da academia que eu deixasse o meu lugar de secretária permanente. Gostaria de ter continuado, mas há outras coisas a fazer na vida. Tomei a decisão [de sair] com efeitos imediatos”, disse Sara Danius aos jornalistas, na quinta-feira à noite.

A demissão da secretária permanente seguiu-se a pressões e a reacções desencontradas – alguns a defendê-la, outros a criticar o seu estilo de liderança –, dentro e fora da instituição, perante a crise espoletada pelas acusações ao marido de Katarina Frostenson.

"A Academia Sueca deveria ser uma força que trabalhasse claramente contra relações de poder anacrónicas ou posições que degradam as mulheres", escreveu Sara Danius num comunicado publicado pelo jornal sueco Expressen.
 
"A ética deve ser colocada acima de tudo, e as decisões, os conflitos e a confidencialidade devem ser geridos a partir de regras estritas. Os crimes e as fraudes devem ser investigados e denunciados às autoridades policiais", acrescentou a professora.

Academia sem quórum?

A saída de Sara Danius e de Katarina Frostenson veio criar uma situação delicada na gestão da academia, que, de resto, o seu presidente, Anders Olsson, tinha já também referido em declarações à imprensa. “Todos nós compreendemos a gravidade da situação em que nos encontramos. Vamos ter de encontrar uma solução de compromisso, dar um passo atrás”, disse Olsson, citado pela agência Efe.

Além disso, e segundo o jornal El País, a academia fica agora sem quórum, já que a demissão das duas mulheres e dos outros três membros atrás referidos vem reduzir de 18 para 11 o número de assentos na instituição – contabilizando aqui a ausência de dois outros membros que já tinham abandonado as suas funções há anos, e por diferentes motivos.

No imediato, o “passo atrás” referido por Anders Olsson parece ter sido a sua nomeação para o cargo de “secretário permanente interino”, como noticiou esta sexta-feira a AFP, na expectativa de a Academia “sair de uma crise suscitada pelas demissões em cascata” na sequência destas acusações de assédio sexual. Olsson, escritor e professor de literatura de 69 anos, confirmou esta sexta-feira, numa declaração à rádio SR, que aceitava a missão.

A crise que a academia actualmente vive foi desencadeada em Novembro do ano passado, quando, em declarações ao diário sueco Dagens Nyheter, 18 mulheres acusaram Jean-Claude Arnault de assédio sexual e conduta imprópria. A instituição decidiu cortar as ligações com o dramaturgo francês, a quem tinha ajudado financeiramente na gestão de um clube cultural em Estocolmo. Arnault foi também acusado de fugas de informação relativas aos nomes dos laureados com o Nobel de Literatura.

O dramaturgo francês negou todas as alegações, e a procuradoria sueca que investigou o caso não chegou a formular qualquer acusação. Paralelamente, a Academia Sueca contratou uma firma de advogados para a realização de uma investigação autónoma, mas ainda não revelou os resultados do inquérito. Também não aceitou a sugestão de pedir uma investigação policial ao caso.

O modo como a questão está a ser gerida pela instituição motivou divisões no seu seio: há uma semana atrás, depois de a academia ter votado contra a saída de Katarina Frostenson, três dos seus membros, os já citados Peter Englund, Klas Ostergren e Kjell Espmark, anunciaram, num gesto de protesto, que deixariam de participar nos trabalhos. Também Sara Danius acabou agora por ser vítima deste processo.

Entretanto, preocupada com toda esta situação, a própria Fundação Nobel emitiu um comunicado na passada quarta-feira em que constata como “inevitável” que uma crise com esta gravidade numa instituição que atribui prémios “também prejudique a própria reputação dos Prémios Nobel”.

“Podemos verificar que a confiança na Academia Sueca foi seriamente afectada. Não é ainda claro de que modo essa situação pode manchar a reputação do Nobel”, acrescenta a fundação, que a seguir elenca alguns princípios que a Academia Sueca deve respeitar para restaurar a sua credibilidade enquanto instituição que atribui um prémio Nobel, como articular o regime de confidencialidade e gerir os conflitos de interesse de acordo com os regulamentos de ambas as instituições ou assegurar que possíveis actos de natureza criminal sejam encaminhados e investigados pelas autoridades policiais.

 

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