Tânia Oleiro: Terços de um fado que se mostra inteiro

Fadista profissional há quinze anos, só agora Tânia Oleiro lança o seu disco de estreia, Terços de Fado, já discretamente editado mas sem chegar à ribalta. É um exercício de reflexão vocal e emocional sobre o que a prende ao fado e brilha na sua voz.

Foto
Luís Carvalhal

Foram precisos 15 anos para que Tânia Oleiro, fadista já rodada em várias casas de fado e em palcos nacionais e internacionais, gravasse o seu primeiro disco. E este, Terços de Fado, replicou essa mesma espera: editado em 2016 pelo Museu do Fado, só agora está a ser lançado, rompendo uma discreta presença. Para a primeira espera, Tânia tem uma explicação: quis amadurecer primeiro, não cedendo ao impulso que leva muitos fadistas a gravar logo no início da carreira. “Quis consolidar os temas, pesquisar, aprender um bocadinho mais sobre o fado, os seus autores, os seus compositores, os intérpretes”, diz a fadista ao Ípsilon. “Só depois, quando me senti verdadeiramente preparada e quando senti que o tempo me estava a dar os factores favoráveis à gravação do disco, só então me propus gravar e deixar um registo.” Já a tinham desafiado antes, até os músicos. “Mas eu não queria nada instantâneo, não queria nada mediático e imediato, queria uma coisa que ficasse para perdurar no tempo.”

Esta contenção ressoa nas palavras de Rui Vieira Nery, que “prefaciou” o disco, ali escrevendo que o que mais o prendeu, em Tânia Oleiro, “foi, antes de mais, essa sua integridade como fadista, essa sua entrega absoluta à narrativa de cada poema e ao desenho de cada melodia, como se esse fosse, naquele momento preciso, o único objectivo da sua vida.” Bem como o facto de o fazer “de uma forma discreta e serena, sem poses artificiais de show business nem pretensões filosóficas pós-modernas.”

Laboratórios do fado

Nascida em Lisboa, na freguesia de São Jorge de Arroios, em 22 de Janeiro de 1979, filha de pai alentejano e mãe fadista, a música rodeou Tânia Oleiro desde muito cedo. “Sobretudo através da minha mãe e da muita rádio e dos muitos discos que se ouviam em nossa casa (a minha mãe estava mais em palcos maiores do que nas casas de fado). Eu comecei a cantar desde pequenina, muito tímida, tenho gravações com dois anos e meio, três anos, já a cantarolar. O meu pai era enfermeiro, trabalhava por turnos, e a forma de ele ir ouvindo as gracinhas que eu ia fazendo era através das gravações.”

Quando foi para a escola, a sua voz atraiu a atenção dos professores. “A primeira vez que actuei em público foi aos 7 anos, na inauguração de uma escola primária. Os meus pais nunca me pressionaram para cantar, nem eu tinha essa vontade. Cantar era em casa, e por graça, às vezes nas festas e empurrada pelos amigos e pela família. Só a terminar a faculdade é que alguns colegas começaram a inscrever-me em concursos de fado e foi aí que tudo começou.” A terminar o curso, em 2002, vence o concurso de fado de Almada. Juradas? Entre outras, Sara Pereira, hoje directora do Museu do Fado, Alexandra, Lenita Gentil e Maria da Fé. Ora uma delas, Alexandra, estava para abrir uma casa de fados e, dizendo-lhe que queria ter “um elenco jovem”, convidou-a. “Senti-me perdida, porque estava a tentar integral profissionalmente o ensino, para o qual me sentia vocacionada [e ainda sente, porque a par de fadista é professora], mas aceitei, comecei a cantar, e de repente já lá estava.” E esse passo não teve retrocesso. Ao Marquês da Sé juntaram-se depois o Páteo de Alfama, a Casa de Linhares, a Mesa de Frades, a Maria da Mouraria. Em todas elas, Tânia tem cantado, ao longo destes anos, e com muitos seguidores fiéis.

“Eu vejo a casa de fados com um habitat natural, para mim. Um laboratório onde eu testo, ensaio, consolido e torno meus os temas que depois vou cantando.” E foi esse exercício que a conduziu a Terços de Fado, baseado em fados tradicionais. “Ao longo do tempo, sempre fui mais de ligar à melodias. Mas conforme vamos amadurecendo, vamos criando um amor maior ao poema, às letras, à substância. Parecia tarefa difícil  seleccionar os temas para este disco, mas afinal foi fácil escolher com o coração.” E referências, possíveis influências no modo de cantar? “Temos um legado muito grande. A Amália, que é de todos. Depois a Fernanda Maria, a Maria do Rosário Bettencourt, Carlos Ramos, Carlos Zel, Manuel de Almeida. E também da nova geração, que tanto me inspiram. Esse legado tento não o largar e alimentar-me dele, ao longo do tempo.”

Porquê o adiamento mediático do lançamento? Por razões íntimas, agravadas por perdas pessoais. Só agora, recuperado o necessário estado de espírito, se retomou o caminho interrompido há dois anos. E aqui está Terços de Fado, nome que pode remeter para uma imagem de fé (a do terço), também associada ao fado, mas que quer simplesmente dizer três partes, três blocos, nos quais se dividiu o disco e aos quais foram dados nomes bairristas: “Mouraria”, “Alfama” e “Cercanias”. O nome do disco só surgiu no fim.

15 fados, vários músicos

“Foi um exercício posterior”, diz Tânia. “Fazia sentido, para mim, convidar vários grupos de músicos representativos dos espaços por onde eu mais canto. O que eu fiz foi escolher, organicamente, os temas que mais gostava de cantar com cada um deles.” Quando as gravações chegaram ao final, colocou-se a dúvida: como encaixar isto? “Foi natural, a divisão em três partes. E a matemática ajudou.” Ficaram três grupos de cinco fados, cada qual com o seu trio de músicos. Constante, nos dois primeiros, só o baixista, Francisco Gaspar. Em “Mouraria” tocam Ricardo Parreira (guitarra portuguesa) e Marco Oliveira (viola de fado) e em “Alfama” Pedro de Castro (guitarra portuguesa) e Jaime Santos (viola de fado); no terceiro, “Cercanias”, é a vez de Bernardo Couto (guitarra portuguesa), José Elmiro Nunes (viola de fado) e Daniel Pinto (viola baixo).

Terços de Fado terá, agora, miniconcertos com a Rádio Amália. No dia 24 de Março, Tânia é convidada de José da Câmara no Olga Cadaval (Sintra) e dia 8 de Abril estará no Concerto Primavera da Rádio Amália. Com os seus terços de um fado inteiro.

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