Maioria das indemnizações às vítimas de Pedro Dias não será paga

Condenado à pena máxima teria de pagar 457 mil euros, mas não possui bens e a Comissão de Protecção às Vítimas só indemniza as famílias por danos patrimoniais ou as vítimas directas.

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Arguido assistiu à leitura da sentença por videoconferência SÉRGIO AZENHA

O Tribunal da Guarda decretou esta quinta-feira sem surpresa uma pena de 25 anos de prisão para Pedro Dias, o máximo que a lei permite, por três homicídios consumados e por uma tentativa de assassinato ocorridos em Outubro de 2016. Mas além da condenação penal, os juízes determinaram ainda que o arguido terá de pagar quase 457 mil euros às vítimas dos seus crimes ou aos seus familiares. São danos morais que o tribunal, depois de analisar os vários pedidos de indemnizações existentes no processo, decidiu atribuir.

Contudo, a esperança da maior parte das vítimas ou dos familiares de algum dia receberem este dinheiro é praticamente nula, já que os advogados do suspeito já garantiram que o mesmo não possui quaisquer bens. Em algumas situações, o Estado compensa as vítimas de crimes violentos, mas as regras de acesso às indemnizações deixam de fora praticamente todas as pessoas que o tribunal decidiu que deveriam ser compensadas. Isso mesmo se conclui das explicações dadas ao PÚBLICO pelo presidente da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes, Carlos Anjos, que não se pronuncia sobre o caso em concreto.

A única pessoa que poderá vir a receber da comissão a indemnização  de 10 mil euros atribuída pelo tribunal é Maria Lídia Conceição, filha da dona de uma casa em Moldes, na qual Pedro Dias se refugiou alguns dias. Quanto a esta vítima, o colectivo de juízes deixou cair a acusação de tentativa de homicídio, aceitando a sugestão da procuradora que, nas alegações finais, considerava que as agressões a que a vítima tinha sido sujeita configuravam antes um crime de ofensas à integridade física qualificada. E validou o crime de sequestro.

E só esta vítima deverá ter sucesso num eventual pedido de compensação àquela comissão, porque a mesma só indemniza por danos morais as vítimas directas dos crimes. “Os familiares que perderem os seus entes queridos só são indemnizáveis por danos patrimoniais. Não podem receber nada por danos morais”, explica Carlos Anjos.

A regra permitirá, por exemplo, que os pais de Liliane Pinto, uma jovem que seguia com o marido para uma consulta de infertilidade em Coimbra e acabou baleada junto à estrada, sejam ressarcidos dos gastos que comprovadamente tenham feito nos seis meses em que a filha esteve internada antes de morrer. Mas essas despesas nem sequer foram pedidas ao tribunal que apenas analisou um pedido por danos morais. E, nesse âmbito, determinou a indemnização mais alta: mais de 246 mil euros.

Casal atingido na estrada: 246 mil euros de indemnização

Isto porque como Liliane sobreviveu ao marido, os pais dela, como seus herdeiros, tiveram direito a receber a indemnização que a filha teria direito pela morte do marido (e não os pais do marido, que viram negado o seu pedido pelo tribunal). A esses 80 mil euros, somaram igual montante pela morte da filha e 25 mil euros pelos danos morais resultante do sofrimento que resultou do internamento de seis meses. Os pais de Liliane viram ainda ser determinada uma compensação de 30 mil euros, a cada um, pelo facto de terem perdido a filha. Mas muito dificilmente deverão receber um cêntimo dos mais de 246 mil euros decretados pelo tribunal e pelo qual vão pagar uma razoável quantia em custas judiciais.

Na mesma situação estão os pais de Carlos Caetano, o militar da GNR, com 29 anos, que Pedro Dias admitiu ter matado, que deveriam receber 130 mil euros em danos morais. António Ferreira, o colega do GNR que sobreviveu aos disparos do suspeito, a quem foi atribuída uma indemnização de 70 mil euros, também não deverá ter sucesso ao recorrer à comissão. Isto porque apesar de ser uma vítima directa dos crimes, está abrangido por um seguro de trabalho. Será por esta via, que tanto este militar como os pais de Carlos Caetano deverão ser ressarcidos.

Carlos Anjos explica que o objectivo da comissão a que preside não é indemnizar moralmente os familiares das vítimas, mas tão só evitar que quem estava na sua dependência directa destas viva com carências económicas graves. “O Estado só pretende compensar as próprias vítimas ou quem está na sua dependência e ficou em grave carência económica”, sustenta, dizendo que a legislação existente em Portugal está replicada por vários países europeus praticamente nos mesmos termos. “Não nos podemos esquecer de que somos todos nós que estamos a pagar estas indemnizações”, nota, precisando que a comissão nunca atribuiu às vítimas directas dos crimes em danos morais um montante superior ao que o tribunal determinou. E só até ao limite de 34.860 euros, o máximo que a comissão atribuiu.

Não foi ao tribunal

Pedro Dias acompanhou por videoconferência as palavras do juiz-presidente Marco Gonçalves, mas pelo que se viu na tela branca onde a sua imagem estava projectada, não teve qualquer reacção ao ouvir o tribunal aplicar-lhe a pena máxima existente em Portugal. Aparentemente sereno, manteve-se praticamente imóvel. Sentado, com as mãos cruzadas e pousadas nas pernas. Apenas  uma leve tremura da perna direita denunciava algum  tensão.

O colectivo de juízes aplicou penas parcelares pelos vários crimes sendo a mais alta de 22 anos de cadeia pela morte de Liliane Pinto e outra igual pelo homicídio do marido. A morte do militar Carlos Caetano foi punida com uma pena de 21 anos e a tentativa de homicídio do colega com 11 anos e meio. A moldura penal resultante do cúmulo de todas as penas parcelares, que incluem três crimes de sequestro e dois de roubo, explicou o juiz-presidente Marco Gonçalves, variava entre um mínimo de 22 anos e um máximo de mais de 104 anos. No entanto, como a pena máxima em Portugal é de 25 anos, foi por aqui que se ficou a pena final.  

Na sessão, o juiz-presidente dispensou-se de ler o acórdão, um documento que explicou ter mais de 300 páginas, explicando apenas em traços gerais os factos que o tribunal considerou provados e uma justificação sucinta. Marcos Gonçalves admitiu que o tribunal aceitou a prova indirecta em duas situações, a mais importante das quais estava relacionada com a morte do casal Pinto, que não terá sido testemunhada por ninguém. Relativamente ao que motivou o homicídio do militar da GNR, o acto que terá desencadeado os restantes, considerou que nenhuma das versões apresentadas, quer pelo Ministério Público, quer pela defesa eram suficientemente convincentes.

A acusação justificava os disparos de Pedro Dias com o facto de ele alegadamente ter ouvido uma conversa ao telefone de um dos militares com colegas e ter antevisto que iria ser revistado. Já o suspeito disse ter disparado após ter sido violentamente agredido pelo GNR.   

Este acórdão não irá colocar um ponto final neste caso, já que, pelo menos, os advogados de Pedro Dias adiantaram ao PÚBLICO que pretendem recorrer da decisão. “Acho que foi condenado por crimes que não cometeu e foi absolvido por crimes que não cometeu”, afirmou Mónica Quintela à saída do tribunal.

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