Benfica-Sporting: o derby dos rivais que não se falam

O Benfica-Sporting desta quarta-feira na Luz devia começar e acabar na rivalidade desportiva, mas está transportado para o domínio da guerra.

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LUSA/MIGUEL A. LOPES

A melhor maneira de explicar a relação entre Benfica e Sporting nos tempos que correm é revelar onde os respectivos presidentes irão ver o “derby” desta noite, da 16.ª jornada da Liga portuguesa. Luís Filipe Vieira, líder das “águias”, vai ocupar o seu lugar habitual na tribuna de honra do Estádio da Luz, Bruno de Carvalho, líder dos “leões”, vai para a caixa de segurança destinada aos mais de 3.000 sportinguistas esperados no recinto. Já não é de agora que a rivalidade entre os dois “grandes” de Lisboa ultrapassa o domínio desportivo, mas, nos tempos que correm, essa componente parece cada vez mais secundarizada, para dar lugar a um clima de guerra.

Estamos bem longe do tempo em que, depois dos jogos de domingo, os jogadores de Benfica e Sporting saíam para almoçar juntos à segunda-feira e depois iam ao cinema, como contava Eusébio da Silva Ferreira sobre o que era a rivalidade nos seus tempos de jogador. “Quando se diz que o futebol é mais que um jogo, é no sentido positivo, de paixões e emoções fortes, não agressivas e negativas. Agora estamos a ir no sentido contrário e é o fruto de uma cultura que domina o futebol há vários anos”, diz ao PÚBLICO Miguel Poiares Maduro, antigo presidente do Comité de Governação da FIFA.

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A (não) relação entre Benfica e Sporting nos últimos tempos está à vista em cada comunicado, entrevista, post nas redes sociais, ou qualquer outra intervenção pública. Institucionalmente, as relações entre os dois clubes foram cortadas em 2015, por iniciativa dos “leões”, e isto não se traduz apenas no facto de nenhum dos presidentes marcar presença na tribuna de honra do rival quando há um derby. Os dois clubes têm assumido posições diferentes em tudo o que diga respeito ao futebol português e isso ficou bem patente, por exemplo, na última assembleia geral da Liga de clubes, em que foram votadas alterações ao regulamento de competições depois de Sporting e FC Porto terem abandonado a reunião.

“Ultrapassaram-se fronteiras que extravasam o futebol”, dizia Bruno de Carvalho, numa entrevista ao jornal Record publicada um dia antes do derby, quando lhe perguntaram se alguma vez se sentaria ao lado de Vieira na tribuna. Na época passada, estava disposto a abrir uma excepção e ter o presidente do Benfica ao lado, em Alvalade, num derby antecedido pela morte de um simpatizante italiano do Sporting, atropelado nas imediações do Estádio da Luz por um adepto do Benfica. Vieira declinou o convite que entendia estar carregado de “juízos de valores prévios”.

Com a divulgação de emails de pessoas ligadas ao Benfica (Pedro Guerra, Paulo Gonçalves e do próprio Vieira) e a revelação de uma investigação judicial a indícios de corrupção respeitantes a um Rio Ave-Benfica de há duas épocas, o panorama agudizou-se. Na mesma entrevista, Bruno de Carvalho pediu a despromoção dos “encarnados” e o Benfica tem feito a sua defesa, com um comunicado de Vieira a garantir que ninguém do clube subornou árbitros ou rivais.

Sem entrar pela validade das investigações em curso ou pela eventual existência de corrupção no futebol, Miguel Poiares Maduro diz que os discursos cruzados contribuem para a “pressão pública sobre as instituições” e “diminuem a credibilidade e autoridade das mesmas”, sugerindo “um conjunto de regras claras que sejam aplicadas aos agentes desportivos e na mão de instituições genuinamente independentes”.

Se, em tempos recentes, os treinadores foram o principal foco da polémica e até a alimentaram (Jorge Jesus e Rui Vitória tiveram vários duelos de palavras à distância), desta vez não há um antagonismo directo entre os dois, nem críticas expressas ao clube rival. Vitória assumiu o respeito pelo adversário, mas chamou a si a defesa do clube nas suspeitas de manipulação de resultados. “Esta semana fica provado que isto já não é um ataque ou uma afronta ao presidente, assessor, treinador ou jogadores. É uma afronta ao coração do Benfica”, disse o treinador “encarnado”.

Jesus, por seu lado, não quer levar a rivalidade para lá do futebol. “Tem de se respeitar a rivalidade, faz parte do jogo”, disse o treinador “leonino”, indiferente à polémica dos emails e da investigação: “Não mando emails para ninguém e ninguém manda para mim. Se calhar daqui a algum tempo vai saber-se o que se passou. A mim, passa-me completamente ao lado. Claro que ouço. Mas leio zero. Redes sociais para mim, zero.”

O que ambos pensam é no 11 contra 11, nos três pontos em disputa e no que o resultado deste derby pode significar quando está quase a fechar a primeira volta do campeonato. O que estes últimos meses de competição têm mostrado é um Benfica reduzido à luta pelo campeonato e com dificuldades para fazer justiça ao estatuto de tetracampeão, enquanto o Sporting, nesta terceira época com Jesus, segue em todas as frentes, com mais solidez e fiabilidade que em épocas anteriores.

Ainda assim, os “encarnados” têm feito o suficiente na Liga para se manterem dentro da luta pelo primeiro lugar e pelo inédito pentacampeonato, entrando nesta ronda com três pontos de diferença em relação aos dois da frente. E os “leões” continuam invencíveis na prova (e nas competições internas), apresentando argumentos de um desafiante credível ao trono de campeão.

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