“Temos o nosso cantinho. Só me falta um trabalhinho”

Casa-abrigo das Soroptimist Clube Porto Invicta é um exemplo de uma estrutura que tem recorrido ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana

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Ilustração de Sibila Lind

As paredes estão salpicadas de detalhes felizes. Fotos dos filhos em diversas idades, chapéus oferecidos pelo novo namorado. Quando Leida entrou pela primeira vez neste apartamento, do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), pensou: “A vida aqui vai ser muito melhor!” E agora diz que é mesmo. “Temos o nosso cantinho. Só me falta um trabalhinho.”

Desde 2014, o Porto de Abrigo, a casa-abrigo gerida pela Soroptimist Clube Porto Invicta, viu o IHRU atribuir oito apartamentos a vítimas acompanhadas pela sua equipa. Leida, de 42 anos, e os filhos, de seis e de 16, moram há dois anos num deles, perto do pólo universitário.

“É muito raro haver um dia em que não receba pedidos de acolhimento”, comenta a directora técnica, Joana Sampaio. “É difícil autonomizar as pessoas, sobretudo as que têm crianças a cargo. E isto nos últimos anos piorou muito. As rendas estão altíssimas.”

Tiveram de fugir das suas casas, muitas vezes para longe. Quase todas tiveram de perder os seus empregos, de tirar os filhos das suas escolas, de quebrar as suas relações afectivas e emocionais. E de se reequilibrar, de recomeçar tudo do zero. O desenraizamento traz dificuldades extras. “Têm de encontrar um trabalho compatível com o horário das crianças. Não dispõem de retaguarda, não podem viver muito longe do trabalho”, esclarece Joana Sampaio.

Leida mudou-se da Venezuela para Portugal há 11 anos. “Quando chegámos, tudo mudou. Não era igual a maneira de ele ser, de ele me tratar. Lá, eu tinha muita família. Aqui estava sozinha, indefesa. Acho que por causa de uma rapariga, eu já o incomodava para tudo, eu já não lhe fazia falta para nada. Tornou-se violento.”

Fugiu há quatro anos, com os filhos, então com dois e 12 anos. Primeiro, esteve um mês em acolhimento de emergência em Viseu. Depois, um ano numa casa-abrigo no Porto. A seguir, nove meses num apartamento de transição, na Trofa. Por fim, instalou-se num bairro do IHRU, no Porto. “Foi uma alegria quando vim aqui ver a casa. Estava tudo muito bem cuidadinho.”

Os filhos não mudaram de escola quando moravam na Trofa. Leida trabalhava no Porto e manteve-os no Porto. “Saíamos às cinco da amanhã. Deixava um na escola, outro no infantário e ia para o trabalho. Chegávamos a casa para aí às oito e meia da noite. Foi uma luta.” Mudaram de escola quando já estavam instalados aqui.

Sempre trabalhara nas padarias do marido. “Demorei um bocado a encontrar trabalho. Arranjei num restaurante, na copa.” Já não está lá. “Depois de um ano e meio, mandaram-me embora. Já fiz um ano de desempregada.”

Amanha-se com o subsídio de desemprego e as pensões de alimentos. “Tenho ajuda da junta de freguesia e conheço pessoas que também me estendem a mão”, diz. Nem quer pensar no que seria se tivesse de pagar uma renda ao valor do mercado. Paga 24 euros pelo T2.

Naquele bairro moram mais duas famílias que passaram pelo Porto de Abrigo. Na casa-abrigo, outras duas sonham com uma oportunidade idêntica. Uma já recebeu ok. A outra aguarda resposta. “Tinha comprado uma casa com o agressor”, conta Joana Sampaio. “Há forma de contornar isto, podemos explicar que a pessoa é vítima de violência doméstica e não pode usar a casa, mas não é fácil. Neste momento, há uma penhora. Estamos à espera que o IHRU diga se é possível.” 

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