Hospital não fez exames a doente que morreu três horas depois de ter tido alta da urgência

Entidade Reguladora da Saúde emitiu instruções ao hospital de Guimarães por considerar que não foi garantida uma prestação de cuidados de saúde de qualidade e em segurança. Em causa estão também tempos de espera prolongados na urgência.

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Os casos aconteceram em 2016 HUGO DELGADO

A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) emitiu instruções ao hospital de Guimarães para a melhoria de várias práticas por considerar que o hospital não garantiu uma prestação de cuidados de saúde de qualidade e em segurança. Em causa estão os casos de três doentes que levaram à abertura de processos de avaliação, sendo o mais grave o de um homem de 52 anos que morreu três horas depois de ter tido alta da urgência.

Num dos outros casos, uma doente esperou nove horas na urgência antes de ser observada por um médico. A mulher acabou por ser transferida para o hospital de Braga, na sequência de uma ruptura de aneurisma.

Foi na sequência de uma notícia que a ERS abriu um inquérito de avaliação ao caso de JGR (assim é identificado o utente pela ERS), na altura com 52 anos, que morreu três horas depois de ter tido alta da urgência do Hospital de Guimarães. A situação remonta a 19 de Novembro de 2016 e a ERS conclui, na deliberação conhecida esta sexta-feira, que "no dia em causa e na situação em análise, pode ter existido uma falha nos procedimentos relativos ao atendimento do utente, no serviço de urgência, especificamente no que respeita à triagem e à activação da Via Verde de Trauma, bem como na qualidade do atendimento prestado ao mesmo".

O homem deu entrada na urgência, acompanhado pela mulher, na sequência de um relato de uma queda, que mais tarde, refere a ERS, se veio a verificar tratar-se de um atropelamento. Na triagem foi-lhe atribuída pulseira amarela, identificada uma pequena hemorragia incontrolável e avaliado com 13 pontos na escala de coma de Glasgow (com grau de consciência). A ficha clínica refere ainda que o utente mostrava sinais de intoxicação alcoólica.

Pouco depois foi observado por uma médica de cirurgia geral, que destacou o abuso crónico de álcool e a existência de desintoxicações sem sucesso. A médica não identificou a hemorragia, diagnosticou o síndrome de dependência do álcool e deu alta ao doente com algumas recomendações.

A notícia do caso levou à abertura de um inquérito interno por parte do hospital, onde se concluíu que a médica deveria ter tido uma actuação mais assertiva. Apesar do doente se mostrar consciente, não há história clínica e não foi feito o teste de alcoolémia que poderia ter determinado uma eventual diminuição de sensibilidade à dor. Em sequência, o hospital emitiu instruções para que fossem feitas acções de sensibilização juntos dos profissionais de saúde.

Para este processo de averiguações, a ERS consultou um perito médico que concluiu que a avaliação na triagem que apontava para 13 pontos na escala de coma de Glasgow obrigava ao accionamento da Via Verde do Trauma, um mecanismo que permite um atendimento mais direccionado ao doente. O mesmo perito médico refere ainda que os registos clínicos são escassos, "sem uma avaliação clínica adequada do doente". Além disso, "não foram realizados MCDT [meios complementares de diagnóstico e terapêutica], que provavelmente teriam indicação para realizar no contexto de etilismo agudo".

"Igualmente o doente não deveria, na minha opinião, ter tido alta, enquanto mantivesse o estado de intoxicação", conclui o perito. O mesmo é reforçado pela ERS nas conclusões da instrução: "Ora, de facto, o utente não foi sujeito a qualquer exame, nem para avaliação do nível de alcoolémia nem para despiste de eventuais fracturas".

O que leva o regulador a concluir que "pode ter existido uma falha nos procedimentos relativos ao atendimento do utente". E nesse sentido, a emitir instruções para que o Hospital de Guimarães assegure os procedimentos necessários para a implementação da Via Verde do Trauma e que aos doentes são prestados todos os cuidados de saúde necessários.

Nove horas à espera na urgência

Outro dos casos avaliados pela ERS é de uma utente que esteve nove horas na urgência à espera de ser observada por um médico. O processo foi aberto na sequência de duas reclamações apresentadas pela filha da mulher, que acabou por ser transferida para o Hospital de Braga, depois de lhe ter sido diagnosticada uma ruptura de aneurisma.

O caso aconteceu a 10 de Março de 2016, quando a doente deu entrada no hospital com dores de cabeça e vómitos, sintomas que apresentava há dois dias. Foi triada às 10h07 e atribuída uma pulseira verde. Só foi observada "por médico de clínica geral, pelas 17h56, cerca de oito horas após a triagem", refere a ERS, acrescentado que houve uma nova observação pelas 18h27, altura em que lhe foi medida a tensão. Mas só mais tarde, às 22h03, é que a utente é observada pela medicina interna, que após a realização de uma TAC a transfere para o Hospital de Braga.

Nas respostas enviadas à ERS, a administração do hospital explica que nesse dia houve uma grande afluência de doentes à urgência e apesar daquela doente ter recebido uma pulseira verde - considerado não urgente - ficou numa zona de observação onde estão sempre médicos e enfermeiros por apresentar sinais de dependência e confusão. Este quadro clínico não permitiu que se detectasse nenhum agravamento no estado de saúde da paciente, explica ainda o hospital.

O perito médico consultado pela ERS concluiu que não existem indicios de má prática clínica. Ainda assim, o regulador da saúde lembra que não foram respeitados os tempos de atendimento previstos na triagem de Manchester, que no caso da pulseira verde são 120 minutos, nem foi feita uma retriagem como ditam as normas impostas desde o Inverno de 2015.

A ERS refere ainda um terceiro caso, de uma utente que aguardou cerca de quatro horas na urgência sem ter sido observada por nenhum clínico, "bem como que alegadamente os seus acompanhantes terão sido impedidos de permanecer junto da mesma sem que tenha havido informação sobre as razões para tal impedimento". Também aqui o perito médico não identificou falhas graves.

Ainda assim, a ERS considera que não foram acautelados o direito aos utentes de terem um acompanhante consigo nem garantido o direito à qualidade dos cuidados de saúde. E por isso instruiu o hospital a "assegurar que os cuidados de saúde prestados, no âmbito do serviço de urgência, sejam adequados e tecnicamente mais corretos, prestados humanamente, com respeito pelo utente, com prontidão e num período de tempo clinicamente aceitável" e que permita a presença de um acompanhante.

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