Hospital da Guarda “falhou” no atendimento de grávida que perdeu bebé de 37 semanas

Entidade Reguladora da Saúde diz que não "houve registos de ter sido efectuada triagem, nem da sua adequada monitorização e vigilância clínica durante o período de espera". A administração da unidade de saúde diz que está a corrigir "o que correu menos bem".

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A ERS identificou no atendimento a esta grávida um "alegado tempo de espera excessivo" depois desta ter entrado no serviço de urgência Rui Gaudêncio

A equipa de urgência na Unidade Local de Saúde da Guarda (ULSG) "falhou no atendimento" de uma grávida que perdeu o bebé no final da gestação enquanto esperava por ser vista por um médico, concluiu a Entidade Reguladora da Saúde (ERS). A administração do hospital adianta que já tomou medidas e está a fazer tudo "para corrigir o que correu menos bem". Na Ordem dos Médicos decorre um processo disciplinar ao obstetra que estava de serviço naquele dia na urgência.

O caso remonta a 16 de Fevereiro de 2017, quando uma mulher, grávida de 37 semanas, deu entrada nesta unidade de saúde às 9h30 com uma pequena perda de sangue.

Às 10h40, segundo as conclusões do inquérito instaurado internamente pela unidade de saúde e que consta de uma deliberação de Setembro que a ERS tornou agora pública, o obstetra realizou uma ecografia, tendo constatado a ausência de batimentos cardíacos do feto.

No entanto, sublinha a ERS, "no relatório de urgência remetido pela ULSG não existe qualquer registo da realização de ecografia, a hora a que foi realizada nem o resultado do exame".

Mais: nos registos da unidade de saúde também não há "qualquer indicação de que a utente foi observada por médico obstetra". Apesar disso, no registo de urgência enviado pelo ULSG ao regulador consta um diagnóstico de saída, registado perto das 12h, que declara a morte intra-uterina por "condição ou complicação anteparto".

A unidade de saúde também já tinha concluído que o obstetra destacado para o serviço de urgência, "quer tenha ou não avaliado os registos, não procedeu de acordo com a legis artis (regras da actividade médica)". Já o conselho disciplinar da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos abriu um processo à conduta do médico, que ainda se encontra a decorrer. Este caso continua também em investigação no Ministério Público.

Demora no atendimento

A ERS identificou um "alegado tempo de espera excessivo para atendimento da utente após a sua admissão no serviço de urgência, não havendo registos de ter sido efectuada triagem, nem da sua adequada monitorização e vigilância clínica durante o período de espera".

O regulador apurou também "uma eventual não garantia de que os registos clínicos dos utentes sejam fiáveis e reproduzam a real situação clínica, bem como os cuidados, efectivamente, prestados", recordando que "não há registo de observação ginecológica, da audição da auscultação fetal, nem da avaliação dos sinais vitais da grávida". Registou-se ainda "uma eventual existência de falta de comunicação e articulação entre os diversos profissionais de saúde presentes" no serviço de urgência.

O médico obstetra em causa, destacado para assegurar a urgência, não estava neste serviço quando a grávida deu entrada, tendo sido chamado por colegas, “seguramente depois das 10h10”, que não fizeram notar que a situação seria urgente, segundo consta no relatório do inquérito interno.

Quando o obstetra chegou ao serviço "foi confrontado com duas utentes, decidindo observar primeiro outra utente e só depois a utente" cujo feto acabaria por morrer.

Contudo, nota a ERS, uma outra médica obstetra que se encontrava na urgência, “independentemente da ‘distribuição de serviço’, deveria ter observado a utente e não ter aguardado pela chegada do colega”.

Esta falta de comunicação e articulação é passível de prejudicar "a transmissão de informação completa, necessária para, em cada momento da prestação de cuidados de saúde, cada um dos profissionais envolvidos tomar as melhores decisões", lê-se na deliberação da ERS. Por isso, concluiu, "a equipa que se encontrava escalada no serviço de urgência falhou no atendimento" a esta utente. 

Assegurar aptidão dos serviços

Perante esta deliberação, a administração do hospital implementou, em Outubro, a Triagem de Manchester (em que a prioridade clínica é identificada por cores) na urgência obstétrica, adquiriu três cardiotocógrafos (dispositivo que regista a frequência cardíaca dos fetos) com gravação de dados em sistema informático e fez uma revisão ao regulamento interno e aos procedimentos deste serviço.

Para além disso, está previsto que todos os profissionais da ULS da Guarda tenham formações sobre "comunicação eficaz na transição de cuidados de saúde" e "normalização de registos clínicos" no próximo ano.

Esta informação foi corrigida ao início da tarde, em comunicado, depois de fonte do hospital ter referido à agência Lusa que a administração não tinha recebido "qualquer documento oficial".

O hospital garante que tem acompanhado o caso e está a fazer tudo "para corrigir o que correu menos bem". "Continuamos convictos que possuímos bons profissionais e que trabalhamos sempre em prol da prestação dos melhores cuidados de saúde", lê-se no comunicado. 

Estas alterações surgem depois da ERS ter instruído a unidade da Guarda a assegurar que o serviço de urgência, em especial em obstetrícia, presta serviços de saúde "aptos", "de forma permanente, efectiva e em tempo útil" e a garantir que os registos clínicos dos utentes são "fiáveis".

Ao PÚBLICO, a ERS garante que "continuará a monitorizar o cumprimento da instrução pela ULS da Guarda". Em caso de incumprimento, o hospital pode ser sujeito a um processo de contraordenação.

Quando o caso aconteceu, a unidade de saúde era presidida por Carlos Rodrigues, que deixou de exercer funções em Abril e foi substituído por Isabel Coelho.

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