Pedro Dias tinha códigos para comunicar em situação de fuga

O início do julgamento está marcado para esta sexta-feira e nem a greve dos guardas prisionais deve impedir o seu arranque. Fugitivo de Aguiar da Beira está acusado de três crimes de homicídio e duas tentativas de assassinato. Defesa não revela se arguido vai quebrar o silêncio.

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Julgamento de Pedro Dias começa hoje na Guarda SÉRGIO AZENHA

"Sou" significava estou bem e a salvo. "CV" era nome de código para a casa da avó. "QM" queria dizer Quinta de Mangualde. "Longe" era traduzido em três pontos de exclamação e "sim" em três pontos seguidos. Estes são alguns dos códigos que poderão ter sido utilizados por Pedro João Dias, um empresários agrícola com alguns crimes no currículo, para comunicar discretamente com pessoas que o terão ajudado durante os 28 dias de fuga.

Um post-it com a tradução dos códigos foi encontrada pelas autoridades no interior da pick-up preta em que seguia na madrugada de 11 Outubro do ano passado quando foi abordado perto da zona industrial de Aguiar da Beira, em Vila Chã, por dois militares da GNR sobre quem terá disparado a matar. “Foi encontrado um sistema de código de mensagens a emitir via telemóvel para fornecer a alguém caso estivesse em tensão ou fuga”, lê-se numa informação de serviço que faz parte do processo.

A acusação imputa-lhe três crimes de homicídio e duas tentativas de assassinato, três de sequestro, cinco de roubo e dois de detenção de arma proibida. O julgamento arranca esta sexta-feira no tribunal da Guarda, após no Verão um juiz de instrução ter validado a acusação.

Greve não impedirá julgamento

Nem a greve dos guardas prisionais às diligências externas deverá impedir o início das audiências, já que, interrogado pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, o presidente do colectivo de juízes defendeu que era imperativo começar o julgamento na data prevista. Isto pouco mais de um ano após a maior parte dos crimes terem ocorrido e de Portugal ter assistido a uma das mais mediáticas fugas de sempre.

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Os advogados de defesa não desvendam se Pedro João Dias vai romper o silêncio que manteve desde que foi detido, a 8 de Novembro do ano passado. Mas até agora não negaram a maioria dos factos constantes da acusação. Contestam apenas alguns crimes, como os de roubo, por motivos formais – não lhes terão sido comunicados durante o inquérito como seria obrigatório.

Também pediram a realização de algumas perícias, que o presidente do colectivo decidiu ordenar. Em causa estão, por exemplo, a análise dos resíduos de pólvora que terão sido encontrados nos dois militares baleados e determinados testes a dois invólucros de projécteis. As análises, que estão a ser feitas pelo Laboratório da Polícia Científica, ainda não estão concluídas.

Os advogados Rui Silva Leal e Mónica Quintela, que defendem o suspeito, contestam igualmente que tenha havido a intenção de matar uma mulher então com 57 anos, filha da dona de uma das casas onde Pedro João Dias se escondeu durante vários dias.

Terá tentado estrangular a vítima

Versão diferente tem o Ministério Público que sustenta na acusação que o arguido terá tentado estrangular a vítima, que foi violentamente agredida. A mulher (e um vizinho que veio em seu auxílio) acabou vendada, amarrada de mãos e pernas e ainda com uma batata na boca que a impedia de gritar. Para clarificar esta questão o próprio Ministério Público pediu aos peritos médicos que esclareçam se as lesões apresentadas pela vítima são compatíveis com a intenção de matar.   

O PÚBLICO consultou uma parte dos 14 volumes que compões o processo e a dúvida mantém-se: o que estaria Pedro João Dias a fazer sozinho no carro às 2h30 da manhã, junto a um hotel em construção, perto da zona industrial de Aguiar da Beira, em Vila Chã.

Zona tinha sido alvo de incêndios

Segundo o testemunho do militar da GNR que sobreviveu aos disparos, os polícias terão decidido abordar o suspeito, porque durante o Verão aquela zona tinha sido alvo de vários focos de incêndio.

Depois de terem pedido a Pedro João Dias, um homem divorciado hoje com 45 anos, para se identificar e mostrar os documentos da viatura, este terá saído da pick-up. Como o dono do carro não era o condutor e a morada deste na carta era de Fornos de Algodres, um dos GNR decidiu ligar para os colegas daquele posto para tentar descobrir os antecedentes de Pedro Dias. E aí terá ficado a saber que já antes fugira à polícia. No entanto, na acusação não se dá conta de mais nenhum facto que tenha servido de rastilho dos disparos.

No processo descreve-se que um ruído vindo da floresta terá distraído os dois militares, o que terá permitido a Pedro João Dias sacar da arma e disparar na direcção da cabeça do militar de 29 anos, a apenas 20 centímetros do mesmo. O relatório da autópsia atesta a curta distância, sem a quantificar. “As características da lesão sugerem ter sido o disparo realizado a curta distância”, lê-se no documento, que adianta que o militar da GNR não tinha álcool ou outras substâncias no organismo.

Manobras para despistar a polícia

A acusação detalha, contudo, o trajecto que Pedro João Dias terá feito e ainda diversas manobras para despistar a polícia. Já depois de matar o primeiro militar, Pedro João Dias terá obrigado o colega a conduzir o carro-patrulha e a pedir à sala de situação da GNR informações sobre várias viaturas que se cruzam no caminho. Só depois de feitos esses contactos, Pedro João Dias terá mandado o militar regressar ao hotel em construção e exigido que colocasse o corpo do colega na bagageira daquele automóvel.

O desespero por uma nova viatura que permitisse continuar a fuga terá justificado que Pedro João Dias tenha mandado parar um carro, um Volkswagem Passat, onde seguia um jovem casal que se dirigia para uma consulta em Coimbra. Disparou a matar também sobre eles, ambos na cabeça.

Antes já algemara o militar mais velho a um pinheiro. Já disparara também sobre a sua cabeça e cobrira o que acreditaria ser o seu cadáver com giestas, deixando-o numa zona florestal isolada. Não contara que o militar recuperasse a consciência e se conseguisse dirigir a pé a casa de um colega que deu o alerta, pouco depois das 7h, manhã cedo.

Atraso na comunicação à PJ

Apesar de ter dois militares incontactáveis durante várias horas, a GNR só por volta das 8h comunica o caso à Polícia Judiciária. Mas nessa altura já montara uma verdadeira caça ao homem. Pedro João Dias antes de alegadamente matar o primeiro militar da GNR dera-lhe a sua carta de condução, encontrada mais tarde no blusão do corpo do guarda. Esse facto terá justificado alguns telefonemas da GNR, mas um acabou por ser determinante para os 28 dias de fuga do suspeito. Segundo a descrição de um relatório da PJ, o suspeito “vai atendendo as chamadas de curta duração, desligando sempre por sua iniciativa, até que corta definitivamente as conversações quando um militar graduado lhe diz que é suspeito da morte de elementos da GNR”.  

Pediu álibi à ex-namorada

Talvez, por isso, desloca-se a Fornos de Algodres para ir pedir um carro a uma antiga namorada. E não se ficou por aí. Suplicou igualmente por um álibi. Se alguém contactasse a antiga companheira esta deveria garantir que Pedro João Dias fora contar-lhe uma boa nova: que ganhara a guarda da filha mais velha. E que a visita se transformara em jantar, acabando por dormir por ali. A mulher acedeu e, por duas vezes, esta foi a história que contou à GNR ao telefone.

Só quando os militares a vão buscar à escola onde trabalha e a levam a um dos locais dos crimes para identificar as vítimas se apercebe da gravidade da situação. Já  num posto da GNR muda a versão. Sobre o estado de espírito do ex-namorado, garante que estava normal. Pedro João Dias contou-lhe, contente, que ganhara a tutela da filha e questionado sobre o pedido do álibi, apenas respondeu: “Não se passa nada. Faz-me só esse favor.”

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