Bombeiros do Seixal podem ter de fechar portas

Despedimento de maqueiro levou a uma dívida por pagamento de horas extras que a associação de bombeiros do Seixal não pode pagar. Tribunal rejeitou plano de pagamentos.

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Rui Gaudêncio

Os bombeiros do Seixal estão quase sem salvação possível. Uma decisão judicial do Juízo do Comércio do Barreiro deixou a Associação Humanitária dos Bombeiros Mistos com a corda na garganta e, se nada mudar até segunda-feira, aquele concelho da Margem Sul pode vir a ficar sem esta corporação de bombeiros.

A associação tem uma dívida de quase oito milhões de euros — que começou com um despedimento de um maqueiro — que não consegue pagar. E o tribunal não aceita o plano de pagamentos, aprovado por quase todos os credores, na sua maioria bombeiros que reclamam anos de horas extraordinárias e trabalho nocturno.

“A situação é cinzenta”, lamenta ao PÚBLICO o presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Mistos do Concelho do Seixal, António Matos. Em causa estão “os 70 bombeiros e o socorro que eles prestam”, diz. “É a vida deles”, lamenta.

Tudo começou com um despedimento, alegadamente por justa causa, de um maqueiro e a partir daí os problemas da associação não pararam de crescer. O trabalhador em causa foi despedido depois de um processo disciplinar, por acusações de assédio sexual a utentes, e ainda por alegado desrespeito e maus tratos a outros doentes que transportava na ambulância.

Os problemas com o bombeiro começaram em 2011 e este acabaria por ser despedido em 2012. Mas em Maio do ano passado tudo mudou. A associação foi condenada a pagar ao antigo trabalhador uma quantia de quase 260 mil euros “a título de trabalho suplementar, trabalho nocturno, indemnizações por despedimento e salários intercalares”. Tinham perdido o processo em tribunal e não sabiam, diz a associação. O despedimento do trabalhador tinha sido considerado ilegal.

A partir desta decisão, foi uma bola de neve de dívidas a acumularem-se. As contas foram arrestadas e os restantes bombeiros foram reclamar os mesmos direitos: “Por praticarem horários semelhantes, vieram reclamar pagamento de trabalho suplementar e de trabalho nocturno que terão prestado à associação”, lê-se num comunicado enviado ao PÚBLICO.

Para evitar novos processos em tribunal, e em “respeito do princípio da igualdade”, a associação reconheceria os créditos dos bombeiros. Tudo somado, acabou por ficar com um encargo de 7,6 milhões de euros. Mas sem dinheiro para pagar a reposição de anos de horas extraordinárias e de trabalho nocturno.

Agora, com as contas arrestadas e com esse encargo, a associação está “numa situação de asfixia financeira, não tendo sequer dinheiro para adquirir combustível para abastecer as suas viaturas”, lê-se no mesmo documento.

Foi por isso que entrou num Processo Especial de Revitalização (PER), uma vez que não havia liquidez, explica. O PER foi aceite por quase todos os credores (93% dos créditos), na sua grande maioria bombeiros ainda no activo, mas rejeitado por quatro, incluindo o banco BBVA, que se opôs à homologação do plano de pagamentos. A vontade do BBVA acabaria por vingar.

No dia 17 de Outubro, o Tribunal do Barreiro decidiu que o plano não seria homologado judicialmente e deu dez dias para pronúncia. O prazo acaba na próxima segunda-feira. O risco é o de a associação ser liquidada, explica o advogado que a representa, Paulo Silva.

Até segunda-feira, o advogado vai entregar no Tribunal do Barreiro a exposição da associação de bombeiros e, se a decisão não mudar, terá de recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa, um recurso que “não suspende a decisão” que vier a ser tomada pelos juízes do Barreiro. Depois, tudo dependerá do administrador de insolvência.

O apoio da Liga dos Bombeiros

Quando tiveram homens a combater os incêndios deste Verão, por todo o país, parece-lhes injusto que “a resposta do poder judicial” seja a “de condenar ao encerramento uma associação de bombeiros” e “mandar para o desemprego” os que lá trabalham.

A história não acaba aqui. Aliás, há meandros com os quais a direcção da associação não se conforma. Se tudo começou com o processo do ex-bombeiro daquela casa, tudo poderia ter sido evitado se a advogada que os representava tivesse sido competente e não tivesse cometido “erros de negligência”, dizem. E, por isso, interpuseram um processo de responsabilidade civil contra a advogada, porque entendem que ela não só não contestou a decisão do tribunal do Trabalho sobre o processo do maqueiro, como deixou o caso prescrever e não deu qualquer conhecimento da decisão, nem questionou a associação se pretendia interpor recurso.

Agora, com a vida numa zona cinzenta, dependendo da decisão do tribunal, a Associação Humanitária dos Bombeiros Mistos do Concelho do Seixal recorre-se de todos os meios para evitar a falência e o consequente encerramento.

Receberam uma moção de apoio da Liga dos Bombeiros Portugueses e marcaram para segunda-feira uma manifestação em frente ao Tribunal do Barreiro.

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