As praias de Nicoya: pura vida ao longo do oceano nem sempre pacífico

Os areais são, sem dúvida, uma das coisas que mais seduz nestas paragens da Costa Rica.

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Sousa Ribeiro

O taxista, já com um cliente no lugar do morto, avisara-me de que iria perder o último ferry se não me apressasse. Embora céptico, carregando este trauma contra a classe, como induzido a isso mesmo por um parente de uma geração afastada, entrei na viatura que foi correndo ao longo de uma artéria sem fim a meio de uma tarde de um calor sufocante.

Tinha razão, o taxista.

O ferry estava quase a partir. Um turista, inquieto, procura, à última hora, um isqueiro que não encontra para acender um cigarro. Os fumadores têm existências complicadas na Costa Rica, mesmo ao ar livre. Razão ao lema nacional: Pura vida!

O ferry atira a espuma para os lados, a música impregna a atmosfera, apazigua os espíritos, é como uma discoteca ambulante rasgando as águas, um momento mágico exacerbado pelo pôr do sol. Há turistas e ticos e estes últimos são os que se mostram mais irreverentes, mexendo os corpos ao ritmo dos sons festivos. Verdadeiro oásis de paz na América Central (na década de 1940 abdicou do exército para investir 50% do orçamento na saúde e na educação, apresentando actualmente uma taxa de alfabetização de 96%), a população da Costa Rica, inferior a cinco milhões,  considera-se uma das mais felizes do mundo. 

Pura vida!

A manhã encontra-me em Montezuma, uma pequena aldeia, muito do agrado de alguns hippies, com uma bonita praia, de onde partem trilhos que aqui e acolá nos mostram imponentes cascatas e um contacto permanente com a natureza. Avisto um autocarro na paragem mas deixo-o partir, por ali fico, sentado, à espera do próximo. A subida revela-se íngreme, fizera o percurso na véspera, mas já há algumas horas que a noite caíra sobre este lado da terra. Em frente a um pequeno mercado, onde algumas frutas brilham sob os efeitos dos raios do sol que se insinuam, apanho outro autocarro que não tardará a levar-me pelo meio de uma estrada de terra batida, parando de acordo com a vontade de quem chega ao final da viagem ou de quem a inicia.

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Sousa Ribeiro

Pára em todo o lado.

Até que chega a uma encruzilhada da qual já avisto o mar, na direcção do qual caminho para abarcar com o olhar uma praia de uma beleza inquietante. É a hora da maré-baixa, casais gozam dos prazeres do sol sentados nas suas cadeiras, surfistas aventuram-se pelo meio de ondas raramente dóceis e que em alguns corações (no meu, por exemplo) provocam mesmo um sentimento de medo. A areia queima, pequenas piscinas formam-se entre as rochas, convidando os pais a brincar com os filhos, por vezes caminho durante quilómetros sozinho, magnetizado por este quadro ainda assim tão vivo, tão inspirador.

Não há lixo.

A Costa Rica é um dos países mais limpos que vi em mais de uma centena, um jardim que só não é plantado à beira-mar porque é banhado por dois mares. Pode, por isso, passar a ser o país plantado à beira de dois mares. O das Caraíbas e o Pacífico, com as suas ondas que nos parecem querer engolir.

É por este último que deixo que o tempo me leve, no sul da península de Nicoya, por praias como El Carmen, Hermosa, Santa Teresa e Mal País, com as suas vagas poderosas que atraem uma população jovem, os seus restaurantes elegantes, um ambiente relaxante.

A pé e à boleia, com um alemão que levava o seu filho a passear, cheguei a Manzanillo, oito quilómetros a norte da praia El Carmen, um lugar mais calmo e onde a estrada, passando pela aldeia, começa a insinuar-se pelo meio de um mundo mais rural. A temperatura começa a subir, não corre uma brisa, de quando em vez a paisagem despida deixa ver o mar azul até que o olhar se perde no horizonte. Percorri um grande número de quilómetros a pé até que um casal canadiano, de férias na Costa Rica (o turismo é a maior fonte de receita do país e o número de visitantes cresce todos os anos), se deteve para me levar com a mesma facilidade com que se deteve em frente a um riacho que cruzava a estrada, optando por fazer todo o caminho no sentido inverso para chegar a Nicoya.

Na verdade, estavam perdidos.

E mais praias

Eu achei-me, nessa mesma noite, em Sámara. Mas todos os dias, ainda que fizesse desta praia a minha base, fui descobrindo novos lugares, uns mais calmos, outros mais expostos à indústria do turismo. Sempre à boleia, cheguei bem cedo a Nosara, um verdadeiro cocktail da cultura do surf, de ioga, um refúgio para reformados norte-americanos e, com a sua vegetação luxuriante, para o interior, um paraíso para os pássaros e para a vida selvagem.  Não é por acaso que próximo de Nosara se situam o Refuge for Wildlife, um centro de resgate de animais com uma taxa de sucesso de 85%, e o Sibu Sanctuary, que desempenha as mesmas funções, acolhendo primatas com lesões ou abandonados — tanto um como outro requerem marcações e os preços são elevados.

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Sousa Ribeiro

Mas são as praias que mais seduzem e é nelas que consumo muito do meu tempo quando inicio o percurso de regresso a Sámara. A praia Pelada, a Guiones, a Garza, uma aldeia adormecida de pescadores onde passo umas boas horas, ora deitado nas areias, ora conversando com alguns ticos enquanto bebemos uma cerveja.

Pura vida!

Mais para norte, até chegar em frente ao golfo de Papagayo, há outras praias, algumas delas já muito turísticas, como Tamarindo — por alguma razão também é conhecida como Tamagringo —, outras quase sempre desertas, como Junquillal, difícil mesmo é escolher na península de Nicoya em qual delas passar a maior parte do tempo.

No meu último dia em Nicoya, cheguei a meio da tarde a Sámara para me entregar à apaixonante tarefa de nada fazer, a não ser oferecer o meu corpo à areia e os meus olhos à leitura. O sol já começava a declinar, os raios embrenhavam-se por entre a vegetação e produziam um efeito mágico, como uma neblina dourada. Nas águas azuis, tendo como fundo uma natureza resplandecendo de verde, os surfistas enchiam as águas. Vendedores ambulantes grelhavam frango na rua que conduz à praia e o odor perfumava tudo à sua volta. Chegava a hora do pôr do sol e eu limitava-me a confirmar que Mané Alvarez tinha razão: é um dos mais bonitos postais de uma vida, um momento que a memória conserva por muitos anos. Talvez até ao momento de dobrar esse cabo que em Nicoya é mais fácil do que na maior parte dos lugares do mundo — chegar aos cem.

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