Esplendor musical

Vislumbra-se a variedade de géneros e de estilos musicais cultivados no século XVII num dos mais importantes centros musicais da Península Ibérica: o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.

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O Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra

O primeiro registo fonográfico do Capella Sanctae Crucis inaugura a mais recente linha editorial da prestigiada etiqueta francesa Harmonia Mundi, intitulada Harmonia Nova. Esta nova colecção promove projectos de jovens músicos que se destacam pelo contributo dado à renovação das abordagens interpretativas e do próprio repertório. É este o caso de Zuguambé, disco integralmente constituído por repertório inédito arquivado na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra. O conteúdo do disco permite vislumbrar a variedade de géneros e de estilos musicais, assim como a profusão de recursos vocais e instrumentais, cultivados no século XVII naquele que foi um dos mais importantes centros musicais da Península Ibérica: o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra.

Pelo seu inestimável valor artístico e cultural o repertório e as práticas musicais do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra são de grande relevância para a investigação musicológica em Portugal. Recentemente este trabalho tem sido intensamente desenvolvido pelo projecto “Mundos e Fundos” integrado no Centro de Estudos Clássico-Humanísticos da Universidade de Coimbra. Formado por uma equipa constituída por musicólogos e intérpretes este projecto define-se pela forte interacção entre a investigação científica e a prática musical, sendo um dos seus intuitos o de “potenciar o resultado artístico”. Um dos elementos desta equipa é Tiago Simas Freire, director e cornetista do Capella Sanctae Crucis, sendo o disco Zuguambé um dos resultados artísticos entretanto apresentados ao público.

O repertório selecionado para o disco é constituído maioritariamente por peças de autores anónimos que se enquadram em três importantes momentos de celebração litúrgica: as festas da Natividade, do Corpo de Deus e da Ascensão do Senhor. Nos géneros musicais representados predomina o Vilancico, mas também são incluídos Vilancicos de Negro (de onde é retirada a expressão “Zuguambé”), Calendas de Natal, Responsórios, Tentos, Versos, um Salmo e um Motete de D. Pedro de Cristo, entre outros. Trata-se de repertório de natureza funcional que na época era objecto de arranjos elaborados de acordo com o significado da celebração litúrgica e dos diferentes momentos que esta integra. Inspirando-se nas práticas musicais seiscentistas dos Crúzios de Coimbra o Capella Sanctae Crucis apresenta um conjunto plausível de hipóteses de restauro, arranjo e interpretação deste repertório, o que justifica a profusão dos estilos musicais propostos, de entre os quais se destacam a polifonia, a monodia acompanhada, a policoralidade e o estilo concertante. No mesmo sentido os arranjos incluem propostas diversificadas, recorrendo em alguns casos a um abundante conjunto de meios vocais e instrumentais (por exemplo no exultante Hodie nobis caelorum Rex ou no espectacular Zente Pleto), limitando-se noutros casos a interpretações instrumentais de câmara ou a solo (como é o caso da belíssima e intimista interpretação em harpa ibérica do [Tento do] 4º Tom de Agostinho da Cruz). Em termos gerais a interpretação musical prima pela sobriedade, mas não deixa de realçar os diferentes caracteres de um magnífico repertório que, apesar de litúrgico, oscila entre a exultação, a introspeção, a austeridade e o humor.

Pelo valioso contributo que representa para a descoberta, divulgação e revalorização do património musical português do século XVII, mas também pela qualidade das propostas musicais e pelo rigor científico que as fundamenta, Zuguambé é um registo fonográfico de referência!

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