Acusação diz que Salgado desviou 10,7 milhões do seu grupo

Cerca de um terço do dinheiro terá sido usado para comprar três diamantes. Antigo líder do Grupo Espírito Santo não nega ter recebido o dinheiro, mas diz que se tratou de meros empréstimos. Ministério Público diz que reembolso feito em 2012 só teve como objectivo iludir os investigadores.

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O dinheiro saiu sempre da Espírito Santo Enterprises, uma entidade conhecida como o “saco azul” do GES Rui Gaudêncio

O ex-banqueiro Ricardo Salgado, que dirigiu durante mais de duas décadas o Grupo Espírito Santo (GES) e o banco com o mesmo nome, ter-se-á apropriado de 10,7 milhões de euros provenientes do grupo familiar que dirigia. Isso terá acontecido uns anos antes do colapso daquele universo empresarial, no Verão de 2014. Deste montante, cerca de um terço terá sido usado para comprar três diamantes.

Isso mesmo diz o despacho de acusação do processo Operação Marquês, que detalha como todas as operações foram feitas e imputa por estes factos ao antigo banqueiro três crimes de abuso de confiança. Um dos movimentos bancários, lê-se na acusação, “destinou-se ao pagamento da aquisição de três diamantes, no valor global de 3.820.000 dólares” (3,2 milhões de euros ao câmbio actual). Esta é uma das duas referências que as 3900 páginas da acusação fazem aos diamantes, o que sugere que o rasto das pedras preciosas se perdeu.

O dinheiro, que terá sido transferido em várias tranches e, em alguns casos, por intermédio de amigos de Salgado, saiu sempre da Espírito Santo (ES) Enterprises, uma entidade conhecida como o “saco azul” do Banco Espírito Santo (BES). Ricardo Salgado terá usado circuitos complexos, que envolveram sempre a utilização de contas sediadas no estrangeiro e em nome de entidades offshore “com o objectivo de receber e ocultar a titularidade de quantias pagas por sua própria determinação, a título de remuneração, no montante total de10.717.611 euros”, diz a acusação.

Em Janeiro passado, quando Ricardo Salgado foi interrogado pelo procurador Rosário Teixeira no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), em Lisboa, o antigo banqueiro foi confrontado com alguns destes factos. Mas todas as referências que existiam relativamente a este alegado desvio de fundos eram ainda turvas e incompletas. 

Só com a dedução da acusação, datada de segunda-feira passada (foi notificada aos arguidos apenas na quarta) e assinada por sete procuradores, é que se conheceu a totalidade dos factos em causa. No resumo dos 21 crimes que o Ministério Público imputa a Ricardo Salgado, precisa-se que um dos ilícitos de abuso de confiança está relacionado com “a transferência de 4.000.000 de euros” feita em 21 de Outubro de 2011 de uma “conta da ES Enterprises na Suíça para conta do Credit Suisse, titulada pela sociedade em offshore Savoices, controlada” por Salgado.

O outro alegado desvio terá sido cometido em co-autoria com o empresário luso-angolano Hélder Bataglia, para quem Salgado enviou 15 milhões de euros — oito milhões dos quais acabaram nas contas do amigo de Sócrates, Carlos Santos Silva. Contudo, uma pequena parte do dinheiro enviado a Bataglia com origem no “saco azul” do GES acabou em contas controladas por Salgado, algo que o próprio banqueiro não negou aos investigadores. Salgado reconhece ter recebido as verbas, mas alega que se tratavam de “empréstimos” que tinha o intuito de reembolsar.

Bataglia, o homem forte da Escom, o braço não-financeiro do GES em Angola, transferiu em Novembro de 2011 2,75 milhões de euros da conta de uma sociedade offshore de que era beneficiário para a tal conta da Savoices, controlada por Salgado.

A amizade com Granadeiro

Igualmente em Novembro de 2011, o então homem forte da Portugal Telecom, Henrique Granadeiro, terá ajudado Salgado a desviar perto de quatro milhões de euros. “O arguido Ricardo Salgado, ainda em Outubro de 2011, aproveitando a circunstância de ter feito pagar para a esfera do arguido Henrique Granadeiro, nesse mesmo mês, a quantia de cerca de 8.000.000 de euros, propôs ao mesmo que fizesse uma transferência de fundos para a sua esfera pessoal, num montante de 4.000.000 de euros, prometendo-lhe que, posteriormente, lhe faria pagar uma nova quantia de igual montante”, afirma o Ministério Público.

A acusação sustenta que “atenta a amizade que mantinha com o arguido Ricardo Salgado e face aos pagamentos anteriormente recebidos”, Granadeiro “aceitou proceder tal como lhe tinha sido proposto”. Para evitar operações de compensação cambial, os arguidos terão combinado realizar a operação em francos suíços. No dia 22 de Novembro de 2011, a partir da conta de Granadeiro, foi realizada a transferência de 4,9 milhões de francos suíços, o que equivalia a cerca de quatro milhões de euros a favor da entidade Begolino, SA, onde foi creditada nesse mesmo dia. Essa entidade, explica o Ministério Público, tinha sido constituída a 10 de Fevereiro de 2011, com sede no Panamá, e tinha como beneficiário final Ricardo Salgado.

Em nome desta entidade foi aberta a 8 de Abril de 2011 uma conta que tinha como beneficiária Maria João Salgado, mulher do antigo banqueiro. À data foram indicados como mandatários desta mesma conta Salgado e a filha de ambos, Catarina.

O Ministério Público diz que depois de o banqueiro ter descoberto que o seu nome figurava entre a lista de clientes da Akoya, uma empresa que ajudava muitas individualidades da vida portuguesa a esconder as suas fortunas, resolveu fazer um pagamento de dois milhões de euros a favor da ES Enterprises, “alegando ser realizada por conta dos pretensos empréstimos de que anteriormente havia beneficiado”. No entanto, o Ministério Público acredita que tudo não passou de uma manobra com vista a iludir eventuais suspeitas. Esta última operação, diz a acusação, “foi lançada, na contabilidade da mesma, como sendo um empréstimo feito à sociedade e não como um pagamento de Ricardo Salgado àquela sociedade, pelo que, algum tempo depois, a mesma quantia foi feita devolver ao arguido”.

O PÚBLICO tentou ontem durante a tarde, sem sucesso, falar com o advogado de Ricardo Salgado, mas Francisco Proença de Carvalho não atendeu o telefone nem respondeu às mensagens enviadas. Numa declaração lida anteontem aos jornalistas num hotel de Lisboa, o representante legal do banqueiro proclamou a inocência do seu cliente, sem nunca, porém, entrar em detalhes e sem responder a qualquer pergunta da comunicação social.

Disse que Ricardo Salgado não praticou qualquer crime, razão pela qual as acusações que contra ele deduziu o Ministério Público são “totalmente infundadas”. Ao seu lado, o ex-líder do BES mantinha-se em silêncio, enquanto Francisco Proença de Carvalho prosseguia: “Ricardo Salgado foi uma espécie de bóia de salvação para um processo que se estava a afogar nas suas múltiplas teses contraditórias. No único interrogatório que lhe foi feito, não lhe foram apresentados factos e provas, mas suposições e presunções sem qualquer suporte”. com Ana Henriques

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