O diabo está nos detalhes

Villains é o álbum em que a vida dos Queens Of The Stone Age voltou a ser o que sempre fora. Rock'n'roll à antiga, sem soar velho ou datado, marcado pela presença de Mark Ronson e pela sombra tutelar de Iggy Pop.

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Os Queens Of The Stone Age já andam por cá há muito (são 20 anos). Foram nome desalinhado, mas definitivamente presente no tal “renascimento” do rock’n’roll na alvorada do século XXI Andreas Neumann

…Like Clockwork foi o primeiro álbum do resto da vida deles. Foi o disco gravado depois de Josh Homme ter entrado numa sala de operações para uma simples cirurgia ao joelho e acabar declarado morto clinicamente por alguns segundos. Sobreviveu, mas passou meses amarrado a uma cama. Pior do que isso, sentiu que a música não só não era o centro da sua vida como podia até ser-lhe prejudicial. Ele queria andar a rebolar na relva com os filhos, queria caminhar sob o sol sem pensar em nada mais além do prazer de estar vivo e ver as crianças crescerem sem preocupações. “Foi a primeira vez que senti que a música me transformaria em algo que não queria ser”, dizia ao Ípsilon em 2013.

Villains, quatro anos depois, é o álbum em que a vida deles, os Queens Of The Stone Age, voltou a ser o que sempre fora – e Josh Homme tratou de afastar logo o elefante no meio da sala no texto de apresentação da nova edição: “O título Villains não é uma afirmação política. Não tem nada a ver com Trump nem nenhuma dessas merdas. É simplesmente 1) uma palavra que soa fantástica e 2) um comentário às três versões de qualquer cenário: o teu, o meu e o que aconteceu verdadeiramente…”.

“A nossa abordagem tem sido, e sempre será, tentarmos ser o reflexo mais perfeito do que somos num momento preciso. Toda a gente muda constantemente ao longo da vida. Nós mudamos, os nossos fãs estão a mudar”, diz Dean Fertita, teclista e guitarrista com dez anos de vida Queens Of The Stone Age em cima (também pertence aos Dead Weather de Jack White e Alisson Mosshart). “Basicamente, [Villains] é uma reacção ao álbum anterior e a tudo o que vivemos entre essa altura e agora, como fazer um álbum com Iggy Pop. Sentimo-nos revigorados e determinados a correr alguns riscos” – di-lo e pensamos que estará a referir-se, por exemplo, ao facto de terem escolhido como produtor Mark Ronson, conhecido pelo trabalho com Adele, Amy Winehouse ou Bruno Mars, mestre da nova soul de sabor vintage e do funk sintético que não associaríamos imediatamente aos Queens Of The Stone Age. Pensamos nisto enquanto Dean Fertita faz uma pequena pausa no raciocínio. Interrompe-a para dizer: “Não temos nada a perder." É verdade, não têm.

Os Queens Of The Stone Age já andam por cá há muito (são 20 anos bem contados). Foram nome desalinhado, mas definitivamente presente no tal “renascimento” do rock’n’roll na alvorada do século XXI. Viram-no anunciado em parangonas e viram-no esmorecer. Tornaram-se fenómeno com Songs From the Deaf e com o single No one knows, sobreviveram (mais ou menos) incólumes à histeria do sucesso e às (mais ou menos) dolorosas mudanças de formação, mas não perderam tempo a olhar para trás. Ou melhor, o seu vocalista, guitarrista e compositor, o fundador e a alma da banda, não perdeu tempo a olhar para trás – quando perguntamos a Dean Fertita o que caracteriza os Queens of The Stone Age, o que se mantém imutável ao longo dos anos, dos álbuns, dos músicos que chegaram e partiram, a resposta é a mais fácil, mas também a mais justa: “Josh. Ele é o que está cá há 20 anos. A banda é a sua visão e dedicação." Mas, entre os talentos de Homme estará também a escolha dos músicos que vêm fazendo parte da comunidade Queens Of The Stone Age. Músicos como Fertita, que partilham com o líder a crença de que o rock’n’roll é algo que, em vez de perseguido, se revela perante a banda: “Temos de confiar [no instinto]. Se tentarmos ser demasiado conscientes em relação ao que estamos a fazer, descarrilamos. Temos de deixar as coisas acontecerem a música ditará o que quer ser. Nós não devemos meter-nos no caminho."

…Like Clockwork, independentemente da opinião em relação ao resultado final (a nossa foi bastante favorável), foi o álbum em que os Queens Of The Stone alargaram como nunca antes o universo da sua música – deram-se a arremedos de space-rock, arriscaram negras baladas guiadas por piano. Villains não segue o mesmo rumo, mas são perceptíveis as marcas que a experiência anterior deixou. Tal é visível no cuidado posto no som geral, na forma como os sintetizadores surgem a suportar algumas melodias, no tonitruante som do baixo de Domesticated animals, nas guitarras que ora formam uma barreira sónica, ora surgem com o som manipulado até se tornarem indistintas dos teclados. Querem que dancemos, como sempre quiseram, mas agora um pouco mais, e isto sem que desapareça de cena aquele ataque rock’n’roll directo, todo ele urgência, que é marca dos Queens Of The Stone Age: está no boogie acelerado do single The way you used to do, está na punkalhada Ramones/MC5 de Head like a haunted house (com coros à T. Rex para bem-vindo brilho glam), está no balanço bem medido para riffalhada brilhar de The evil has landed (a isto soariam uns Led Zeppelin nascidos num deserto nocturno com céu muito estrelado).

O jovem Ronson e a lenda Iggy

Algumas das canções de Villains já existiam há algum tempo, em rascunho ou noutro formato, mas nenhuma estava completa quando os Queens Of The Stone Age entraram em estúdio. “Houve muita espontaneidade na composição e nos arranjos”, refere Dean Fertita. “Procurámos constantemente novas formas de nos inspirarmos, porque podemos pegar numa mesma canção e tocá-la de mil formas diferentes, conseguindo igual número de respostas emocionais. A mudança mais subtil pode ser determinante." Para as subtilezas essenciais tiveram a seu lado Mark Ronson. Fertita desfaz-se em elogios. “Foi um grande auxílio para chegarmos àquilo que é o som do disco. O mundo dele é compreender o som nas suas múltiplas dimensões. Ao mesmo tempo, é um tipo do rock’n’roll e é um fã dos Queens Of The Stone Age." A empatia foi imediata. “Queria que os Queens Of The Stone Age fossem os Queens Of The Stone Age e procurou a melhor versão de nós próprios. Foi muito fácil confiar nele. Podemos não reconhecer a sua intervenção à primeira audição, mas ele foi verdadeiramente ‘o diabo nos detalhes’."

Temos, portanto, que Villains são os Queens Of The Stone Age, sem surpresas, a serem os Queens Of The Stone Age. São a banda de rock’n’roll à antiga, mas que não soa datada e antiga, a procurar algo novo no som, que não na estética e na atitude, com a ajuda de um fã improvável, Mark Ronson. Mas não é só ele, Ronson, que devemos creditar como determinante para o que é Villains.

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Andreas Neumann

Dean Fertita e Josh Homme tiveram muito que fazer no início de 2015. Trabalho de responsabilidade. Coube-lhes a honra de, juntamente com Matt Helders, baterista dos Arctic Monkeys, serem os músicos que acompanharam Iggy Pop no álbum que a lenda do rock’n’roll considerou o seu último grande manifesto criativo, Post Pop Depression – e, depois das gravações, ainda acompanharam Iggy numa série de concertos. Dois anos depois, Dean Fertita ainda não sabe bem o que lhe aconteceu. “As lições que tirei dessa experiência continuarão a revelar-se ao longo de muitos anos. Senti uma responsabilidade imensa."

Estava, afinal, perante o homem que ouvia enquanto pegava na guitarra pela primeira vez, o autor de canções determinantes para aquilo em que se tornou enquanto músico. “Foi um lugar difícil de entrar até me sentir confortável, por estar tão consciente da sua posição na história e daquilo que significa para mim. Sinto que consigo lembrar-me de todos os minutos." Dean Fertita falará demoradamente de como a experiência o marcou, chegará até um momento, em que, ao voltar novamente a referi-lo, suspirará, “não queria estar sempre a falar do Iggy, mas…”. Mas “aquele homem tem 70 anos e envergonha miúdos de 20 com a sua energia e a sua capacidade de comunicar e tocar quem o vê e ouve: testemunhar isso é impagável”.

Os Queens Of The Stone Age continuariam sempre a ser os Queens Of The Stone Age. Em Villains, tiveram Mark Ronson e a sombra tutelar do lendário Iggy Pop para, pormenores à parte, continuarem a ser o grupo que admiramos há muito. “São bons tempos para estar nesta banda. Sinto-me afortunado”, confessa Dean Fertita. A sinceridade da declaração é indesmentível.

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