O Tejo quase morre em Espanha, reanima-se na fronteira, mas adoece até à foz

Esta semana o diário espanhol El Mundo publicou um artigo sobre o estado do Tejo, agravado pelo actual cenário de seca. Diz que o rio está às portas da morte. E em Portugal, como está?

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Nuno Alexandre Mendes

A seca está a fazer soar os alarmes na Península Ibérica. Na terça-feira, o pretexto para tratar o tema foi o Tejo — o rio que, segundo o jornal espanhol El Mundo, atravessa a sua “pior crise” não só devido à falta de água mas também por causa da poluição.

O Tejo nasce espanhol e torna-se português. Se a qualidade da água é “má” na fronteira, depois regista melhorias, diz uma especialista em recursos hídricos da Zero — Associação Sistema Terrestre Sustentável. “Graças à sua mistura com afluentes nacionais mais limpos, a qualidade do Tejo melhora e este ‘efeito de mistura’ promove a oxigenação das águas — essencial para a degradação da matéria orgânica presente na água”, explica Carla Graça.

Em Espanha, o Tejo já tem pouco caudal por causa dos vários transvases e, de acordo com a ambientalista da Zero, o problema da poluição agrava-se porque o tratamento das águas residuais muitas vezes não acontece, sendo Madrid um dos casos paradigmáticos.

Relativamente aos transvases espanhóis, o porta-voz do Movimento pelo Tejo (Protejo), Paulo Constantino, defende que “a questão fundamental não é que corra menos água no curso do rio”, mas antes o facto de as barragens da Extremadura espanhola (actualmente a 50,5% da sua capacidade de armazenamento), mesmo com valores de armazenamento mais elevados (67% no ano passado), libertarem sempre os níveis mínimos de água.

No entanto, Carla Graça lembra que “a culpa” do estado crítico desta bacia hidrográfica não está toda do outro lado da fronteira. “Também temos a nossa quota-parte, porque apesar de as cidades portuguesas do litoral estarem bem servidas com ETAR [estações de tratamento de águas residuais] de última geração, ainda há muitos problemas no interior do país.”

A par de uma fiscalização mais eficaz contra a poluição, Paulo Constantino sublinha a urgência da revisão do documento que, desde Janeiro de 2000, regula as relações luso-espanholas em matéria de recursos hídricos: a Convenção de Albufeira. Reavaliar este acordo ibérico é uma das reivindicações da petição Contra a poluição do rio Tejo e seus afluentes, que atingiu as 6692 assinaturas. “A petição que lançámos em 2016 será discutida no plenário da próxima legislatura. Pretendemos que seja garantido o bom estado ecológico das águas do Tejo e que se estabeleça um regime de caudais ecológicos (diários, semanais e mensais) para a preservação da quantidade e da qualidade da água”, explica o ambientalista da Protejo.

Paulo Constantino enfatiza ainda que a principal preocupação em território nacional continua a ser as agro-indústrias. “Há que identificar as origens da poluição e eliminar os focos, nomeadamente os responsáveis pela emissão de metais pesados”, como o cádmio ou o chumbo.

Uso excessivo de fertilizantes

Mas quando as fontes de poluição são difusas não é assim tão fácil eliminá-las. O fósforo, proveniente da agricultura e das águas residuais urbanas ou industriais, tem sido presença assídua nas águas do Tejo, chegando a atingir níveis três vezes superiores ao limite legalmente previsto, menciona Carla Graça. “Apesar de a resolução ser desejável, não é tão directa ou imediata como quando se trata apenas de construir uma ETAR.”

Ainda que o Programa de Desenvolvimento Rural 2014-2020 preveja medidas agro-ambientais, a Zero diz que estas não chegam a ser efectivas, uma vez que as verbas são insuficientes ou a sua adopção é de carácter voluntário.

Apesar de tudo, o porta-voz da Protejo elogia o “ponto da situação” já apresentado no relatório da comissão de acompanhamento sobre poluição no rio Tejo, elaborado pela Agência Portuguesa do Ambiente. “O que fica a faltar é a eficácia do que já está no papel”, pois, apesar das ameaças da Inspecção-Geral do Ambiente de encerrar as empresas que poluam o Tejo, “ainda não se viram penalizações concretas”.

É em Vila Velha de Ródão, no distrito de Castelo Branco, que está um dos casos que Carla Graça e Paulo Constantino consideram ser dos mais preocupantes. Referem-se concretamente à fábrica produtora de pasta de papel, Celtejo. “É extremamente importante a reposição dos níveis de licença iniciais e que a produção da fábrica não ultrapasse a sua capacidade de tratamento de resíduos”, argumenta Paulo Constantino.

Protestos previstos

Os protestos da Protejo têm-se feito ouvir. O último foi em Março deste ano, no cais fluvial de Vila Velha de Ródão, e, segundo o porta-voz, contou com 500 cidadãos, “portugueses e espanhóis”. “Penso que há muitas pessoas conscientes dos problemas do rio Tejo, mas os Governos não têm correspondido na mesma medida”, assinala. A inércia governativa luso-espanhola, diz, tem contribuído para a degradação do estado do maior rio ibérico — com cerca de 1007 quilómetros de comprimento, dos quais 230 em território português.

Para a especialista da Zero, era fundamental que houvesse um plano único de gestão da região hidrográfica do Tejo. Contudo, traçar linhas políticas comuns não é fácil. A instabilidade política espanhola e o facto de Portugal estar numa situação de maior vulnerabilidade têm dificultado um acordo. “Não só Espanha esteve sem Governo durante bastante tempo como nós, a jusante, ficámos numa posição mais frágil”, fundamenta Carla Graça.

Segundo o líder da Protejo, a falta de abertura e de transparência de Espanha também se têm manifestado a propósito de Almaraz. Na petição da Protejo é reivindicado o encerramento da central nuclear. “É fundamental eliminar a contaminação radiológica do rio Tejo e prevenir possíveis acidentes nucleares.”

Hoje, reúnem-se os membros da Protejo, e Paulo Constantino diz que novos protestos se avizinham. “Serão anunciados brevemente e, desta vez, em frente do Ministério do Ambiente.”

Texto editado por Andreia Sanches

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